Milhares de mulheres vestidas de lilás com chapéus de palha decorados com margaridas em passeata com cartazes e flores colorindo o trajeto de aproximadamente seis quilômetros em Brasília num dia de agosto. Essa é a famosa e marcante Marcha das Margaridas que ocorre de quatro em quatro anos desde 2000 na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
A Marcha das Margaridas é uma manifestação de mulheres trabalhadoras rurais (agricultoras) do Brasil, em busca de direitos sociais e contra a violência contra as mulheres do campo, das águas e das florestas. As margaridas - como são conhecidas as mulheres desse movimento - lutam por democracia, igualdade e respeito, por meio de relações justas e igualitárias. Elas mostram que é possível pautar a sociedade em valores como ética, solidariedade, reciprocidade, justiça e respeito à natureza.
O evento é organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Federações e Sindicatos (Fetags) e faz parte da agenda do Movimento Sindical de Trabalhadoras e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) e de organizações feministas e de mulheres trabalhadoras e centrais Sindicais.
E por que ela recebe esse nome? A escolha do nome e data é em homenagem à Margarida Maria Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba. Ela foi assassinada no dia 12 de agosto de 1983 por defender os direitos de trabalhadores rurais de seu estado, a mando de latifundiários da região. Por mais de 12 anos, Margarida lutou pela carteira assinada, 13º salário, jornada de trabalho de 8h, direito de cultivo de terras, educação de filhos, fim do trabalho infantil no corte de cana e férias para trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Era uma mulher aguerrida, forte e corajosa que incomodou os fazendeiros da região, que resolveram ceifar sua vida e encomendaram seu assassinato. Ela foi brutalmente assassinada aos 50 anos, na porta de sua casa, em frente ao seu esposo e único filho. O crime teve ampla repercussão midiática, mas ainda segue sem justiça, com os assassinos impunes. A Marcha das Margaridas, portanto, mobiliza as mulheres das cinco regiões brasileiras para que o legado de Margarida ainda permaneça vivo, levando e revivendo seu nome e sua memória. Margarida Maria Alves era semente, e continua florescendo flores por aí no Brasil e mundo todo...
Margarida era a autora da frase “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”. Essa mulher, e seu legado, tem inspirado outras "Margaridas" que são muitas em apenas uma: mulheres da classe trabalhadora, rurais, urbanas, jovens, negras, lésbicas, trans, agricultoras familiares, camponesas, indígenas, quilombolas, assentadas, acampadas, sem-terra, assalariadas rurais, extrativistas, quebradeiras de coco, catadoras de mangaba, apanhadoras de flores, ribeirinhas, pescadoras, marisqueiras, coletoras, caiçaras, faxinalenses, sertanejas, vazanteiras, retireiras, caatingueiras, criadoras em fundos de pasto, raizeiras, benzedeiras, geraizeiras,entre tantas outras. As mulheres trabalhadoras rurais estão em inúmeros biomas, mosaicos de vida e diversidade.
A primeira edição, em 2000, reuniu cerca de 20 mil agricultoras, quilombolas, indígenas, pescadoras e extravistas de todo o Brasil. As três primeiras marchas tiveram como foco a fome, a pobreza e a violência sexista. As de 2011 e 2015 a luta pelo desenvolvimento sustentável com justiça, democracia, autonomia, igualdade e liberdade. A de 2019, a soberania popular, democracia, justiça, igualdade e fim da violência. A desse ano, 2023, o tema foi o seguinte: Pela Reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver. Essa foi a 7ª edição da Marcha das Margaridas, marcando a luta de trabalhadoras rurais em busca de visibilidade, reconhecimento social e político.
Agora que já conhece o que é, a origem e o significado da Marcha, que tal nos aprofundarmos mais um pouco com os seguintes tópicos? São eles: como acontece?; objetivos; demandas; conquistas; e tema de 2023.
Como acontece?
Realizada para mobilizar e organizar mulheres do Brasil inteiro, para os mais diferentes viéses, tais como: formação, denúncia, pressão, proposição, diálogo e negociação política como Estado.
É o maior evento feminino do Brasil que ajuda no processo de construção de uma plataforma política e ações de formação. É uma homenagem à Margarida Alves. As margaridas ficam hospedadas na Cidade das Margaridas, com alojamento, oficinas, seminários e debates, além de tendas expositivas de produtos fabricados e trazidos pelas mulheres e um espaço de saúde para atendimento feminino.
Objetivos
São 7 objetivos principais da Marcha, são eles:
1- Fortalecer e ampliar a organização, mobilização e formação sindical e feminista das mulheres trabalhadoras rurais;
2 - Apresentar, através das proposições, uma crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico a partir de uma perspectiva feminista;
3 - Denunciar e protestar contra todas as formas de violência, exploração e discriminação, e avançar na construção da igualdade para as mulheres;
4 - Reafirmar o protagonismo e dar visibilidade à contribuição econômica, política e social das mulheres do campo, da floresta e das águas na construção de um novo processo de desenvolvimento rural voltado para a sustentabilidade da vida humana e do meio ambiente;
5 - Contribuir para a democratização das relações sociais no MSTTR e nos demais espaços políticos, visando, assim, com a superação das desigualdades de gênero e étnico-raciais e protestar contra as causas estruturantes da insegurança alimentar e nutricional que precisam ser enfrentados para a garantia do direito humano à alimentação adequada e da soberania alimentar;
6 - Atualizar e qualificar a pauta de negociações, propondo e negociando políticas para as mulheres do campo e da floresta e das águas, considerando as suas especificidades; e
7 - Lutar pelo aperfeiçoamento e consolidação das políticas públicas voltadas às mulheres do campo, da floresta e das águas desde a esfera municipal, estadual e federal, contribuindo para que elas incidam no cotidiano das mulheres do campo, da floresta e das águas.
Objetivos para alcançar a luta legítima por direitos e também contra a violência, uma vez que os índices de feminicídio no Brasil são cada vez maiores. A busca por melhorias para o território de cada uma das margaridas é um dos motes principais. A luta das mulheres não é só para hoje, como também para amanhã e depois.
Demandas
A expressão "Mulheres do campo, florestas e águas" surgiu em 2015 para afirmar a diversidade das mulheres rurais. Elas são camponesas; sem-terra; acampadas; assentadas; assalariadas; artesãs; extrativistas; quebradeiras de coco; seringueiras; pescadoras; ribeirinhas; quilombolas; indígenas, e por aí vai.
Com tanta diversidade, é preciso uma organização de demandas, por meio de oficinas, encontros e plenárias em todos os estados do Brasil. Trabalha-se, portanto, em torno de 10 eixos temáticos, são eles:
- terra, água e agroecologia;
- autodeterminação dos povos, soberania alimentar e energética;
- proteção e conservação da biodiversidade;
- autonomia econômica, trabalho e renda;
- direito à previdência e à assistência social pública, universal e solidária;
- acesso a saúde pública em defesa do SUS;
- educação não sexista, anti-racista e direto à educação do campo;
- autonomia e liberdade das mulheres sobre seu corpo e sua sexualidade;
- vida livre de todas as formas de violência; e
- fortalecimento da representação política das mulheres.
Conquistas
Desde o início da Marcha, as reivindicações trouxeram melhorias para as mulheres do campo, como acesso à terra, igualdade de gênero e saúde, empoderamento e independência. Uma das grandes conquistas, também, foi que o título da terra nos lotes de assentamentos de casais também consta o nome da mulher, sendo emitido primeiro em seu nome. Com isso, a mulher usufrui da renda e dos benefícios econômicos e sociais. Outra, foi a construção de 54 unidades móveis em áreas rurais, para atendimento às mulheres em situação de violência - incluindo unidades móveis fluviais para a região amazônica -, e o Projeto de Saúde Reprodutiva da Mulher.
Bem Viver
A ideia da marcha atual é reconstruir as políticas públicas para as mulheres do campo. Nos últimos anos, a natureza e a biodiversidade foram ameaçadas, assim como os direitos femininos. Por isso, a importância de visar um "Brasil do Bem viver". A ideia é a de uma experiência de vida coletiva, como forma de organizar a sociedade e o viver coletivo, com práticas políticas. O Bem Viver proporciona a integralidade do mundo e a vivência em harmonia com a natureza.
Esse ano, o Congresso Nacional recebeu projeções de imagens e frases em alusão ao evento, com margaridas pelas cúpulas e a frase "Avante Margaridas" nas torres.
Esse é um evento muito importante para todas as mulheres, em especial as dos campos, das florestas e das águas. A Marcha das Margaridas pára Brasília quando acontece e à cada edição tem chamado mais atenção e tem crescido bastante. J-J
Por: Emerson Garcia