sábado, 26 de janeiro de 2013

Violento e polêmico, Django Livre é ótima opção nos cinemas


Imagem: Blog do Bonequinho, Jornal "O Globo"


Quentin Tarantino fez uma bela homenagem ao faroeste spaghetti: criou um filme em muitos momentos inverossímil, repleto de sangue e violência, mas cheio de tiradas sarcásticas e humor negro. Não é um filme indicado para mentes sensíveis, entretanto nada ali é gratuito.
O longa de 2h45 conta a história de Django (Jamie Foxx) um escravo adquirido por King Schultz (Christoph Waltz),  dentista austríaco que trabalha como caçador de recompensas e lhe propõe um acordo: sua libertação em troca de auxílio na captura de três valiosos alvos. Com o surgimento de uma inusitada amizade, os dois se unem para libertar a mulher de Django, Broomhilda (Kerry Washington), vendida ao latifundiário cruel e sem escrúpulos Calvin Candie (Leonardo DiCaprio).
A vingança, mote favorito do diretor, teve como pano de fundo a brutal escravatura nos EUA, que gerou tensões entre o Norte industrial e o Sul agrário, levando o país à Guerra de Secessão (1861-1865). Uma das consequências do conflito foi o fim da escravidão.
O teor agressivo da obra, que não se furtou em usar termos pejorativos para ressaltar a discriminação aos negros na época, incomodou alguns segmentos de defensores dos direitos humanos e de afrodescendentes e causou grande polêmica. O protagonista Jamie Foxx, que já sofreu com o preconceito na infância, abordou o assunto de modo direto: “Foi o roteiro mais incrível que já li em toda minha vida. Pensei: ‘quem teria coragem de contar a história como realmente foi?’ O jeito que ele [Quentin] relata os fatos é de rasgar a pele de tão desconfortante”.
O colega Leonado DiCaprio também saiu em defesa da obra: “Quando li o roteiro, (…) falei para Quentin que havia coisas ali que eu não poderia aceitar. Ele explicou que não poderíamos mostrar aqueles horrores de outra maneira, senão estaríamos suavizando o que aconteceu”, conta o ator. “Nada no filme é pior do que os eventos reais. Se você assistir a qualquer documentário sobre o período de escravidão nos Estados Unidos, verá que ‘Django Livre’ só mostra a ponta do iceberg”.
Com boa atuação de Foxx, DiCaprio soberbo como vilão e Samuel L. Jackson memorável na pele do escravo servil, além do talento de Christopher Waltz (vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante por Bastardos Inglórios, também de Tarantino), Django Livre é um filme de entretenimento com seus exageros e inconsistências, mas de qualidade e com um pano de fundo histórico e social. Merece ser visto e apreciado.  J-J

Por: Allan Virissimo (novo colaborador do blog)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Nimeyer VII- O final!


Percebe-se que a C.C. não é só o atual, o concreto e o aparente. Ela nasceu de um projeto ancorado nas idéias de Gonçalo Bezerra e Oscar Niemeyer. O primeiro, idealista da Casa e “quem mais lutou por ela”, segundo Damião, foi aquele que conseguiu o apoio financeiro de governadores nordestinos e do DF, além da colaboração da Caixa Econômica. Seu pedido foi atendido, e materiais foram doados através de firmas. As viagens de Gonçalo ao nordeste foram patrocinadas pelo governo Sarney, na época, com a ajuda de passagens e dinheiro. Paulo Maluf também foi um colaborador. Dessa forma, foi Gonçalo que reivindicou a cidade de Ceilândia e a fundação da Casa do Cantador. Por isso, para muitos, Gonçalo é considerado o “pai de Ceilândia”. Segundo Damião, “quando Ceilândia foi fundada, já era considerada grande”. É que na época de 1970 a 1972 a cidade era um aglomerado de vilas e foi se estabilizando a medida que barracos irregulares eram autenticados. Cerca de 14.690 barracos foram removidos e transformados em mais de 17.000 lotes. Ruas foram pavimentadas – 54.008 M2; a cidade se iluminava – com 27.400 M2 de redes elétricas instaladas. Gonçalo foi um dos responsáveis pelo melhoramento dessas vilas, além de ser o presidente do MDC (Movimento Brasileiro de Cordel).
O segundo, Oscar Niemeyer, foi responsável por colocar o sonho de Gonçalo no papel.
Segundo o ABC Poético da C.C.:

“[...] Para enriquecer a casa
 Do poeta menestral
 Oscar Niemeyer, Arquiteto
Desenhando num papel
E depois fez o Palácio
Da cultura de Cordel [...]”
  

1) NEUMARA
Neumara depois dessa conversa continua administrando os eventos da C.C. e auxiliando os cantadores na questão de como fazer um espetáculo. “Eles fazem exatamente da forma que vem do Nordeste. Meu dever é mudar um pouquinho essa forma de apresentação”. A mulher de óculos e cabelos curtos continua a atender telefonemas com a solicitação de contratação de cantantes e equipamentos eletrônicos e sonoros.
Ainda continua com o pé atrás com os casamentos.

2) DAMIÃO RAMOS
Damião Ramos, depois disso, viajou para São Paulo e voltaria em breve com toda sua família e o caminhão. Passou 45 dias hospedado no hotel que a Casa oferece. Sentiria saudades daquele lugar por um tempo. Já eu, lembraria das qualidades e dos costumes de Damião. Do jeito único de falar. “Aquele da terrinha mesmo, né?”. Teria nostalgia do “oxente”, do “pruque”, do “prumodi” e dessa frase que resume esse homem inesquecível: “‘Incrusive’ eu ‘tô’ preparado pra que eu dê o melhor – com o “r” puxado – de mim pra que o povo tenha o melhor – última letra mais acentuada - também para ouvir”. 

Fim!


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Niemeyer VI


De acordo com ela, entre outras vantagens, porque é uma obra de Oscar Niemeyer. “As pessoas tinham que se sentir lisonjeadas por ter uma obra dele aqui”, ela ratifica. Esse arquiteto ilustre e centenário diz que em suas obras pouco importa as retas e a monotonia. Para ele, a curva, o dinamismo e o traço sensual é que faz a diferença. “Não é o ângulo reto que me atrai[...]. O que me atrai é a curva livre, sensual[...]. Da curva é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”, diz o arquiteteto. Já na opinião de Damião a importância nada tem haver com Niemeyer, ou seja, com a estrutura, mas com a função. “A C.C. é importante porque muitas pessoas vêm do nordeste - e lá ele é acostumado com cantorias, coco de emboladas, aboio e cordel – e chegando aqui ele sabe onde encontrar suas origens”.  Desse ponto de vista a Casa é uma espécie de memorial, um museu, onde o nordestino-candango lembrará de sua região participando de cantorias, por exemplo. Pensar na inexistência desse local é tirar todas as possibilidades de lembranças do povo e não permitir que esse tenha saudade de sua terra. “Porque tendo a Casa ele vai vir matar a saudade aqui. Ele vem ouvir um pouco do aboio, da vaquejada, da cantoria de viola e dos contos”, conclui o sergipano.
  
“E onde o espectador que vive no nordeste poderia relembrar da sua história?”. Para responder essa pergunta vou descrever o local conhecido como Cantoria de Pé de Parede – aquele evento que Neumara estava preparando e no qual Damião Ramos participaria.
 Ao lado do saguão principal que contém a escada em espiral, passando por um corredor de quadrados envidraçados e chegando numa área vazia, encontramos um auditório alternativo e simples. Nesse espaço é realizado eventos de pequeno porte, como a Cantoria de Pé de Parede que consiste em uma mesa rígida e forte de madeira em que se colocam dois assentos e dois microfones improvisados unidos por um cabo de vassoura. O espetáculo consiste em várias duplas que se apresentam em um verdadeiro show de improvisação. Naquela noite de sexta-feira Damião Ramos estava se despedindo e seus colegas de profissão resolveram ajudá-lo cantando e angariando dinheiro para que Damião viajasse para São Paulo e trouxesse sua família mais para perto dele. Além de trazer um caminhão para Ceilândia.
Quem compareceu podia relembrar dos tempos de infância e das dificuldades que passaram no Nordeste. Eram esses temas que os cantadores improvisavam, contando até mesmo sua própria história e do porque daquele show. Nesse dia não só os nordestinos-candangos foram homenageados, como também Damião Ramos que tem, ao todo, 38 anos de profissão, sendo 15 de apresentações nas ruas, como violeiro e embolador, e 23 anos como cantante profissional. Entre os trabalhos que Damião já produziu estão os que ele fala da ecologia, do seu ser, da política.

-Já produziu alguma coisa sobre Ceilândia – perguntei.
- Com certeza, inclusive sábado farei uns versos para Ana Maria Braga – respondeu.
- Como será isso?
- Ela mandou me avisar que queria uma dupla de cantadores na Feira de Ceilândia para falar sobre a cidade.

 (Na maioria das vezes o público é quem elege o tema dos shows de cordéis).
  
A cantoria de Pé de Parede apesar de ter música e melodia não é para ser cantada ou dançada, e sim para escutar com atenção.  “É importante que o povo preste atenção. Se você chega numa cantoria de Pé de Parede para conversar ou dançar, ela passa e você não entendeu nada”, explica Damião. 

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Por: Emerson Garcia

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Niemeyer V




Segundo Neumara a composição do Palácio não possui um bom acolhimento para hospedar os cantantes e teria que ser reformada para que esses se sintam melhor abrigados. Damião concorda plenamente com as idéias de Neumara e acrescenta que tem algumas partes do Domicílio que precisam ser aperfeiçoadas. De acordo com ele as chuvas destruíram um pouco do telhado e do gesso e algumas rachaduras apareceram nas paredes. “Isso ocorre com qualquer imóvel, sendo necessário reformar”, explica.
Anteriormente ela já passou por diversas reparações. Em uma delas foram acrescentadas janelas de vidro e retirada uma porta. Até aí tudo bem. Em outra a cor da fachada foi alterada, mudando assim a composição da Casa original. Oscar Niemeyer não gostou nada disso. Tiveram que retornar a matiz original. O motivo? O arquiteto não permite modificações em suas obras.
Outro tipo de descaracterização mais grave é que a Morada já foi alugada e transformada em um espaço de festas e casamentos, como já foi falado. O que garante a indignação de Neumara. Tais eventos eram realizados para angariar verbas e cobrir custos. Por nove anos a C.C. ficou sob a responsabilidade da Administração de Ceilândia, mas como esta estava permitindo a utilização do ambiente indevidamente a Secretaria de Cultura assumiu todas as questões relativas a isso.
Atualmente acontecem cerimônias no local porque o Tribunal, responsável pelo registro de casamentos civis, solicitou a Secretaria de Cultura o empréstimo da C.C. dias de terças e quintas para a celebração. Neumara me garantiu que não existe nenhuma troca de favor financeiro por parte da Secretaria e do Tribunal.
Na opinião dela esse evento atrapalha e muito com a imagem da cultura. Em outra esfera, Damião tem um ponto de vista contrário do da Auxiliar de Atividades Culturais. O cantante é a favor sim dos casamentos. O desejo dele é que a Morada seja visitada cada dia mais pelas pessoas. “Os casamentos não estão prejudicando a gente em nada, eu acredito que esses casamentos são ótimos”, ele diz. O fato é que mesmo com a má utilização do auditório, pessoas convidadas pelos casamentos também são tratadas como turistas. É que estas não eram só espectadores da cerimônia, mas queriam conhecer a estátua do cantador com o violão logo na entrada, os três arcos curvos de Niemeyer, o auditório em formato de concha acústica, a escada em espiral e o hotel. O local permite que as pessoas visitem e mais que isso: levem para casa um pouco do que viram e apreciaram através de fotografias. A Administração permite a captura de imagens. O que é vantagem para os visitantes.
Falando de vantagem, perguntei para Neumara: “Qual é a vantagem da Residência para os nordestinos que moram em Ceilândia?”.

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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Niemeyer IV



        O repentista e cantador me convida para fazer um tour pela Residência. Resolve me mostrar o hotel, que fica acima do saguão em que estava. Agora conheceria a experiência de subir aquela escada em espiral e mais do que isso, seguir o seu movimento.
O hotel, localizado no segundo andar e no formato de bloco retangular, possui janelas envidraçadas grandes e retangulares e sua fachada pintada de um azul claro, piscina, e revestido de um concreto de bordas arredondadas e curvas.
Ao subir às escadas, para acessar os dormitórios, estava ao lado de Damião que me explicava à medida que andávamos. Ao chegar na parte superior vejo dois sofás velhos e rasgados e uma mesinha com uma tv um tanto quanto antiga. Imagino que aquele lugar não era adequado para receber cantadores: a estrutura estava acabada. Algumas janelas quebradas, o gesso do teto estava cedendo em algumas partes e os quartos não eram bem equipados, contendo somente o estrado de madeira bastante velho e surrupiado, um guarda-roupa e nada mais. O hotel, que é conhecido como albergue de trânsito, dispõe de dez quartos nessas situações e um banheiro feminino e masculino, em bom estado até.
O alojamento é utilizado por vários cantadores que vem do Nordeste. Eles podem ficar ali durante 40 dias. Esse estabelecimento é importante porque quando os cantadores nordestinos vêm de outros estados, eles têm a garantia aonde irão se hospedar e não precisam ficar preocupados com estadia. Segundo Damião, em outros estados quando ele viajava não existia a Casa do Cantador e por isso tinha que ir prevenido levando sempre um dinheirinho para pagar a hospedagem. A C.C. de Ceilândia tem essa vantagem: com dinheiro ou sem o cantador é bem-vindo.
Depois de me mostrar toda a hospedagem, Damião Ramos me convida para descer a escada em espiral para que continuássemos conversando no térreo da Morada. Descemos, então, a escada.

 Conversei bastante com Damião, mas ainda não tinha esgotado o assunto com ele. Conversei pouco, ou quase nada com Neumara. Precisaria de outro dia para sentar em sua salinha abafada de cortinas persianas para ver o que teria para me revelar sobre a Casa.
  
Uma semana se passou. Estava familiarizado com aquele lugar público. Voltaria lá em mais uma tarde, agora para prosear com Neumara e tirar algumas dúvidas com o entusiasmado Damião.
Quando chego lá, me deparo com uma situação nada convencional: é que aquele auditório usado para festivais e cantorias estava sendo empregado como espaço para casamentos. Fui em direção a sala de Neumara.

-Olá, está se lembrando de mim? - digo.
-Claro que estou, como poderia esquecer? - me responde simpaticamente a mulher de óculos e cabelos curtos.
- Poderíamos conversar um pouco sobre a construção, a origem, a história da Casa?
-Claro, puxe uma cadeira e sente-se.

Neumara, entre outras características, é apaixonada pela C.C.; gosta dos cantadores, tratando-os de maneira digna; nasceu em um hospital da L2 sul, mas vive em Ceilândia Centro desde seu nascimento (isso na década de 70); é fissurada em cultura, teatro, eventos culturais; e se sente ofendida quando ocorre vandalismo, como a pichação do Teatro Nacional e quando, como naquele dia, acontecia a celebração de bodas em um local que é próprio para a cultura e os repentistas.
Mulher forte essa, de fibra. Conversando sobre as uniões que estavam ocorrendo naquele exato instante, ela me diz que esse acontecimento tira a identidade da C.C. porque atrapalha os eventos que teriam que ocorrer de fato, que são os culturais, para o artista e o cantador. A estrutura da C.C., assim como seu patrimônio e a sua forma, dificilmente suportaria qualquer evento que não fosse próprio para o Cantador. Todo o projeto foi concebido tendo em vista as necessidades dos repentistas. O auditório, assim como o hotel, não comporta eventos que por sinal já aconteceram na Morada, como festas, desfiles, casamentos.
  

      Observei bastante, nesses dois dias, que a estrutura da Casa precisava de uma mudança. 



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Por: Emerson Garcia

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Niemeyer III



Chamou-me a atenção esta por ser bem moderna e que fazia o concreto sair da monotonia e do estático para se transformar em algo em movimento. Quem subia aquela escada tinha a sensação de estar acompanhando seu formato e entrando em sintonia com ela. Olhei para o teto daquele espaço frio, vazio e amplo e constatei vários círculos que comportavam, cada um, uma lâmpada oval. Imaginei à noite todas aquelas fontes de luz acesas e iluminando o saguão. No pátio via vasos de plantas, o que confirmava que apesar da modernização, o ser humano não se esqueceu da natureza. Aliás, ao redor dos três arcos suntuosos e côncavos de Oscar Niemeyer vi um gramado, de um verde fosco e sem vida e várias árvores e plantas.
A Casa é composta por vários postes de luz, cada um com uma dupla de lâmpadas espalhados pelo gramado de verde fosco, que garantem a iluminação ao cair da tarde. Além dos postes, percebi onze mastros para bandeiras. Um deles comportava a bandeira brasileira e estava localizado simetricamente ao grupo de mastros. Outro era para a bandeira do Distrito Federal. Os demais, nove mastros, eram para os nove estados nordestinos. Fiquei imaginando todas as bandeiras colocadas ali.
A esquerda dos três arcos, um campo de futebol improvisado com duas traves compõem a aparência da Casa. Do outro lado, abaixo de um dos arcos existe um auditório aberto, com uma espécie de arquibancada, estilo estádio de futebol, bancos sem encosto. Um palco de concreto com uma escada lateral servia como palco para os shows. O espaço possui uma concha acústica que permite a evasão do som por todo o ambiente, o que facilita que o público de todo o auditório, inclusive os das últimas fileiras, escutem com perfeição. O recinto se assemelha a um teatro com o diferencial de ser fendido. Na parede do palco uma placa escrito:

AUDITÓRIO
JORGE PELLES
Ceilândia – DF 30 de Julho de 1999


A pessoa que iria me atender finalmente chega. Mulher, cabelos curtos, óculos, um pouco acima do peso, calça jeans, uma camisa descolada e dona de um sorriso verdadeiro e encantador. Sua voz era grave. Falava bem. Neumara é auxiliar de atividades culturais responsável por todos os eventos que acontecem na Casa inclusive um que ocorreria em breve: Cantoria de Pé de Parede[1]. Trabalha no Palácio desde novembro de 2008, numa sala pequena, apertada, com cortinas persianas, computador, rádio e telefone, somente.
Atende-me de maneira estimulante. Digo que queria conhecer a estrutura e, principalmente a função daquela Residência. Ela fala que iria procurar na sala de livros alguns materiais sobre e me convida para ir ao lado.
De semelhante modo, a biblioteca conhecida como Patativa do Assaré[2], tinha o mesmo espaço da sala de Neumara. Estantes e prateleiras de aço com livros sobre Ceilândia, Brasília, Casa do Cantador e barbantes com livros de cordéis, além de vários mostruários de literatura nordestina como Os beatles, A intriga do cachorro com o gato, Um guerreiro Potiguar no Araguaia, e exemplares de Jorge Amado e Ariano Suassuna, estavam ali divididos por temas e etiquetas. A moça verifica e acha algumas cartilhas sobre a origem da C.C.
Neumara me oferece as cartilhas e diz que seria bom que eu conversasse com Damião Ramos, afinal ele sabia bastante coisa sobre aquele lugar e poderia me mostrar cada instalação, cada pedacinho daquela Casa.

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Por: Emerson Garcia




[1] Duas cadeiras onde sentam os cantadores para fazer show de cordel.
[2]  A origem da denominação é em homenagem a Antônio Gonçalves da Silva que foi apelidado de Patativa do Assaré por ser poeta popular, compositor, cantor e improvisador brasileiro.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Niemeyer II


       

       Ao dar os primeiros passos, chego mais perto do que já via do lado de fora da instalação: os três arcos suntuosos de Oscar Niemeyer eram bem convidativos.
A sensação que eu tive ao fazer mais uma marcha afim de alguém me atender, foi a de um lugar calmo, vazio, em que só ouvia barulho de pássaros e carros que por ali passavam. Foi quando avistei três homens sentados ao redor de uma mesa de madeira retangular. Minha hipótese caíra por terra: aquele local não era tão silencioso quanto parecia afinal o que avistara eram seres humanos. Ao vê-los, explico que estou ali por causa de um trabalho da faculdade e que gostaria de saber mais daquela história. Um rapaz me diz que quem poderia me atender não se encontrava e se quisesse esperar poderia me acomodar em uma cadeira de plástico. Aceitei a proposta.
  
Enquanto esperava quem me recebesse procurei ao máximo observar aquele lugar. Li mentalmente a personalidade daqueles três homens. Um tinha aparência de um senhor, cabelos grisalhos, não totalmente brancos. De maneira casual trajava uma bermuda e uma camiseta regata, usava óculos e estava lendo um livro de cordel. De semelhante modo, o segundo homem calçava chinela de dedo e estava lendo um livro. Já o terceiro estava com um boné preto, blusa preta, calça jeans e tênis e me pareceu jovem.
Escrevi esses relatos à sombra e com a vista para a construção de Niemeyer. Três arcos curvos, acimentados com concreto que se uniam uns com os outros. Isso identifica a C.C. como uma arquitetura inovadora e a única que está fora do eixo Brasília. Quem olhava para aqueles arcos tinha a sensação de movimento e dinamicidade. É como se essas curvas percorressem o espaço e se misturassem com o natural que rodeava a arquitetura. O concreto se confundia com o habitual ao passo que as plantas, as árvores, o canto dos pássaros, significava também curvas, retas, concreto, cimento.
  
Aquela roda de três homens aumentara para uma roda de cinco. Um deles trouxe um violão, o outro um doce de goiaba. A prosa daquelas pessoas de sexo masculino se iniciava de maneira descontraída e lúdica, e eu como mero espectador via aqueles homens felizes, nordestinos quem sabe, proseando e tocando o aparelho de cordas. Todos ali tocavam como em um cordel ou um show de repentistas. O som que era dedilhado daquele instrumento ecoou pelo espaço e chegou ao céu de Ceilândia, que por sinal é uma Ceilândia Nordestina.
Um deles resolve abrir o doce de goiaba. Tira a embalagem. A guloseima como qualquer outra impregnava as mãos de açúcar. Agora teria que arranjar uma faca, que por sinal não a tinha trazido. Resolve chamar o segurança do local para que ele providenciasse a faca a fim de provar tal iguaria. Ele a consegue e corta e distribui para os outros da mesa. Todos comem e acham bom. Um deles olha para mim e diz: “E você rapazinho, quer um pedaço?”. Eu respondo: “Quero sim”. Ele corta uma boa porção de doce e me dá. Eu agradeço apesar de impregnar minhas mãos - afinal ele não poderia exigir do segurança guardanapos porque já tinha lhe dado a faca, seria pedir demais. Nesse momento me senti pertencido ao grupo.
  


      A entrada principal da C.C. era uma espécie de saguão com azulejos escuros e grandes que comportava uma escada em espiral que dava acesso ao segundo andar do prédio.









Por: Emerson Garcia



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sábado, 19 de janeiro de 2013

Niemeyer I

Olá! Como diz o ditado "quem é vivo sempre aparece!". Eu quero explicar a minha ausência de 1 mês e 10 dias para vocês do blog. No dia 05 de dezembro de 2012 (não tão longe assim) aconteceram dois fatos muito importantes. O primeiro, eu fiquei sem internet, devido a problemas com a Oi; o segundo, morreu Oscar Niemeyer nesse dia. Ele faria 105 anos 15 de dezembro. E eu penso que o ano de 2013 não começaria se eu não fizesse uma homenagem a ele aqui no blog, de uma semana de posts especiais.

Resolvi recordá-lo com um capítulo de livro-reportagem que fiz há uns três anos atrás chamado Ceilândia Nordestina- A história da Casa do Cantador, em que eu tirei nota máxima. Para quem não sabe a Casa do Cantador foi projetada por Oscar Niemeyer e é o único monumento dele daqui de Brasília que fica em Ceilândia, minha terra natal.



Vamos a primeira parte dessa história emocionante?



Passando todos os dias pela Casa não me sentia atraído a entrar, mesmo sendo pública. Descia na parada de ônibus daquele lugar bastante familiar por ser onde sempre vivi. Desembarcava e atravessava duas pistas até chegar nela. Passava ao seu lado, a via por fora, mas nunca entrava.
Diziam que ela abrigava um hotel, que repentistas e cantadores nordestinos participavam de festivais e se hospedavam lá, que a Casa é conhecida como o Palácio da Poesia e da Literatura de Cordel, que ela já perdeu a função de espaço para divulgação cultural nordestina, que já foi reformada e teve que voltar a forma original. Sabia um pouco dela. Agora teria que conhecê-la pessoalmente.
Bastaria mudar o percurso que sempre costumava fazer para conhecer as histórias que permeavam pela Casa. Confirmando o que já tinha ouvido falar dela ou descobrindo mais coisas. Saberia, portanto, que o local possuiria boas e reveladoras histórias: de repentistas nordestinos e, principalmente daqueles que são nordestinos e que vivem em Ceilândia, ou seja, minha própria narrativa, meu próprio lugar.
A Morada de que eu falo é a Casa do Cantador. Quem a conhece ou quem não, verá que é importante saber o histórico desta por ser um local que constrói os costumes do nordeste na cidade.

Alocada em Ceilândia Sul, precisamente na divisa da Guariroba e do P.Sul, na QNN 32, a Casa do Cantador foi inaugurada em 9 de novembro de 1986. Existe um motivo para estar localizada nessa cidade. É que a cidade concentra um grande número de imigrantes da região nordeste brasileira. A Morada é conhecida como o Palácio da Poesia e da Literatura de Cordel no Distrito Federal e promove a cultura nordestina. Literatura de cordel[1], Repente[2], Cantorias, Coco de emboladas[3] e aboio, estão entre as principais atividades que a Residência promove através de eventos típicos, além da culinária nordestina que é muito rica.
Saberia que iria encontrar um pouco do Nordeste em um local característico: Ceilândia. O que não imaginava é que quando chegasse ao meu destino me surpreenderia com outras histórias além da do próprio Sítio. Conheci uma figura extrovertida e encantadora, um nordestino nato que estava disposto a me contar o que eu não sabia sobre as origens daquela Casa. Um homem sábio, independente de sua classe e que, de maneira espontânea, me apresentou aquele lugar até então desconhecido. Damião Ramos dos Santos nasceu em Aracaju (SE), possui 48 anos e estava hospedado no hotel que a Casa-Residência possui. Como repentista certos caprichos e comodidades eram possíveis a ele por vir do Nordeste e demonstrar seu trabalho na região candanga.
Fazendo jus a profissão, Damião Ramos, como gosta de ser chamado profissionalmente, adora contar histórias ainda mais de um lugar que conhece muito bem desde 1984. A primeira vez que Damião veio a Brasília, já como repentista, o Palácio ainda não existia, ou seja, ele o conhecia antes de seu nascimento. Vinha para cá para divulgar seu trabalho em festivais e fazer cantorias. Ele me contou que o caráter histórico de construção da Morada está ligado diretamente a repentistas que, como ele, vinham para as mais diversas regiões brasileiras divulgar o cordel em caminhões pau-de-arara[4]. Ele conta que isso resume a origem desta. Cantadores de vários estados nordestinos vinham nesse meio de transporte com instrumentos como pandeiros e violões, cantar em praças, antes não tinha um local apropriado para eles. Só em 1986, dois anos depois da primeira vinda de Damião, é que a Casa do Cantador foi construída. Antes de ser o que é hoje, todo um sonho foi projetado e colocado em prática. Ceilândia inclui, portanto, repentistas, e os que são considerados nordestinos-candangos[5].

          Ao entrar na C.C.[6] e ultrapassar a linha receosa do medo e invadir a fronteira da imaginação, vi um portão de arames trançados, semi-encadeado que estava entreaberto e por sinal queria dizer: “Pode entrar, é um lugar público”.

Foto: Emerson Garcia


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[1] É um tipo de poesia popular, originalmente oral, e depois impressa em folhetos rústicos ou outra qualidade de papel pendurados em cordas ou cordéis.
[2] É uma mescla entre poesia e música na qual predomina o improviso.
[3] Consiste em uma dupla de cantadores que, ao som enérgico e batucante do pandeiro, montam versos bastante métricos, rápidos e improvisados.
[4]  Forma de transporte irregular, usado sobretudo na região Nordeste do Brasil.
[5]  Nordestinos-candangos são aqueles que emigraram dos estados nordestinos e chegaram em Ceilândia para ali morar.
[6]  Para facilitar a leitura Casa do Cantador foi substituída por C.C.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

JJ Entrevista: Gilvania de Melo




“As bulas deixaram de ser apenas o papel que vem dentro da caixa de remédio”, diz a mestre Gilvânia


Para quem quer possuir reconhecimento profissional, a graduação é apenas o primeiro passo. Após ela, os caminhos se alargam com o Mestrado e o Doutorado. Gilvânia de Melo, 36, formada em Farmácia pela Universidade Estadual da Paraíba, percebeu a necessidade de alargar as suas tendas através do mestrado. Foi o trabalho Os textos de bula na perspectiva da gestão social do conhecimento, apresentado dia 24 de junho de 2009, que deu a ela o título de mestre em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação pela UCB. O desejo de Gilvânia, além do título, foi apresentar a importância dos textos de bulas ao contribuir com as discussões na área de saúde pública, uma vez que a OMS (Organização Mundial da Saúde) diagnosticou o uso inadequado de medicamentos.



          
Trabalho árduo, problemas pessoais, desafios que parecem intransponíveis, e outras dificuldades, antecedem o sucesso e reconhecimento de um trabalho de mestrado. O nervosismo na hora da apresentação e o olhar afoito da banca examinadora podem ser vencidos pela confiança, perseverança, afinidade com o tema e a certeza que o seu trabalho é importante. O resultado do trabalho de Gilvânia só podia ser positivo: satisfação com o trabalho final – embora a plenitude só acontecesse depois de trabalhar com o textos de bula, tendo a possibilidade de implementar as sugestões; obtenção de comentários elogiosos; e o ingresso na Coordenação-Geral de Gestão do Conhecimento do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, onde atua como coordenadora. E de pensar que tudo começou com uma das melhores escolhas de curso que ela fez na vida!



Jovem Jornalista-  Quais os motivos da escolha do tema para a dissertação?
Gilvânia de Melo-Trabalhei durante 6 anos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sempre atendendo demandas referente a medicamentos. Nos últimos três anos coordenei tecnicamente um projeto chamado de Projeto Bulas que propunha, dentre outras coisas, a instituição de um novo processo de trabalho eletrônico com os textos de bula, acompanhado de ações de educação e comunicação em saúde, na perspectiva do combate ao uso inadequado de medicamentos.

J.J.- À priori, o uso de bulas auxilia em uma melhor utilização de medicamentos. Mas porque será, Doutora, que as bulas disvirtuam a função de auxiliar o consumidor?
G.M.- Aqui, gostaria de fazer duas considerações com relação ao que a pergunta afirma. Primeiro, as bulas, como estão hoje, não auxiliam a utilização de medicamentos -temos vários estudos científicos que comprovam o fato. Segundo, será que são as bulas que desvirtuam o consumo de medicamentos ou esse é apenas mais um elemento a ser considerado nesse ciclo não-virtuoso? Acho que devemos fazer uma análise mais ampla desse cenário.

J.J.- Por que a má utilização de bulas ocasiona um agravamento da saúde?
G.M.- Qualquer informação utilizada fora de contexto e sem os devidos esclarecimentos pode gerar problemas. Com os medicamentos essa situação adquire um tom bastante crítico uma vez que o mesmo “remédio” que cura também pode matar. Contudo, esse aspecto, muitas vezes, não é considerado pelos usuários.

J.J.- Para que isso não ocorra, as bulas devem ser informativas, educativas e explicativas, no entanto, elas possuem letras microscópicas e informações difíceis, além de conceitos que nem todos tem acesso. A bula é acessada por todas as pessoas, Gilvania? Por que?
G.M.- O processo de construção da bula parte da perspectiva do produtor da informação quando deveria partir da perspectiva do usuário. Além disso, acredito que o tipo de tratamento dado ao texto é inadequado. O tratamos dentro de uma abordagem disciplinar que não atende mais a complexidade do universo da saúde.

J.J.- Na visão da Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação, qual é a concepção de bula ideal?
G.M.- A mim não compete falar dessa visão, mas eu acredito que a bula ideal é aquele instrumento construído a partir da perspectiva do usuário da informação, que possibilite a apropriação social do conhecimento ali disponibilizado, permitindo, caso necessário, um processo de tomada de decisão mais informativo e racional dentro da perspectiva de um processo de cidadania ativa.

J.J.- Existe algum exemplo de bula ideal que a senhora e a Gestão do Conhecimento aprovam e é trabalhada em algum país?
G.M.- Não existe uma bula ideal e mesmo que existisse, ela, sozinha, isolada de outras ações, poderá muito pouco. O que eu tenho que avaliar é se o texto em circulação no meu país contribui efetivamente, ou não, para a redução dos problemas associados ao consumo inadequado de medicamentos. Se o texto não contribui, ele é inútil por mais bem escrito que esteja. Entretanto, o que posso compartilhar, é que existem outros países que tem dedicado maior atenção aos textos de bula, reconhecendo que ele é uma importante fonte de informação de fácil acesso.

J.J.- Na pesquisa, a senhora percebeu que não há muitos trabalhos direcionados a um melhoramento de bulas. Porque disso?
G.M.- Acho que quem pode mudar a situação no nosso país ainda não reconheceu de fato (com a execução de ações efetivas), a importância do desenvolvimento de um trabalho permanente nessa área.

J.J.- Durante a pesquisa a senhora pensou em desistir, devido as dificuldades? Ou sempre seguiu em frente?
G.M.- Tive vários problemas de ordem pessoal que quase me fizeram desistir, mas no tocante ao aspecto do trabalho em si, para mim, foi muito tranqüilo. Gostar da temática com a qual se está trabalhando ajuda muito a vencer as dificuldades que naturalmente aparecem ao longo do processo.

J.J.- Qual a afinidade pessoal da senhora com relação ao tema? Lia bulas quando criança?
G.M.- Nunca tive o hábito de ler bulas até o momento em que tive que trabalhar com elas. As bulas deixaram de ser o “papelzinho que vem dentro da caixa de remédio” para ser um instrumento de informação e comunicação em saúde com possibilidade de impacto no combate ao uso inadequado de medicamentos.


“O processo de construção da bula parte da perspectiva do produtor da informação quando deveria partir da perspectiva do usuário”.

J.J.- Qual a importância do tema para a sociedade?
G.M.- Se a abordagem proposta na dissertação fosse implementada, teríamos condição de desenvolver um trabalho contínuo e interdisciplinar que, certamente, resultaria em um instrumento de informação com outras características. Essa iniciativa, associada a outras ações de saúde pública, poderia mudar alguns cenários que vivenciamos atualmente relacionados a medicamentos.

J.J.- Como foi realizada a escolha de orientador? E a relação com ele, como funcionava?
G.M.- Escolhi minha orientadora não só pela relação com a temática mas principalmente por admiração. A professora Luiza Alonso é uma das mulheres mais inteligentes que conheci nos últimos tempos! Para mim foi um privilégio poder conviver com ela, ouvindo-a sempre atentamente.

J.J.- Cite uma frase para quem quer ter sucesso no ambiente acadêmico.
G.M.- Meu pai sempre dizia que o estudo era a única coisa que ele podia nos deixar como herança, pois o conhecimento era o único bem que ninguém nunca poderia nos roubar. Essa afirmativa tem sido uma realidade para mim. J-J


Por: Emerson Garcia
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