Bruna Pimentel. Pinterest.
Primeiro de abril é uma data mais que adequada para simbolizar o aniversário de instauração do regime militar brasileiro. Afinal de contas, estamos falando de um movimento que nasceu já imbuído de inverdades.
A começar pela largada, como nos conta o jornalista Elio Gaspari em A Ditadura Envergonhada (Companhia das Letras, 2002) : "Ao amanhecer do dia 1º de abril [o general Amaury] Kruel [comandante do II Exército] persistia na posição de emparedar Jango sem depô-lo”.
Em pleno dia primeiro, João Goulart despachou no Rio, depois seguiu para Brasília e reuniu-se com seus ministros. Apenas no decorrer do dia o II Exército aderiu ao movimento e os golpistas tomaram as instalações militares das mãos dos legalistas. Ou seja, o governo só foi deposto de verdade nesse dia, não em 31 de março.
O Congresso declarou vaga a presidência somente às 2h55 da madrugada seguinte, como noticiou a Folha de São Paulo (http://bit.ly/1lAuVjb). Outra mentira, visto que Jango ainda se encontrava no Brasil.
Ainda antes de derrubar um presidente legítimo e com respaldo popular, os conspiradores mentiram sobre a iminência de um golpe comunista de viés soviético para alarmar a população. Faltaram com a verdade também ao garantirem que não possuíam apego ao poder, apenas fariam o sacrifício de usurpá-lo para "salvar a democracia".
Na construção da retórica do regime, seus porta-vozes eximiram-se de observar o dicionário. O Aurélio nos traz o verbete "revolução" como "transformação radical de estrutura política, econômica e social" em sua definição mais detalhada.
O que aconteceu nos 21 anos de ditadura foi exatamente o oposto: uma ruptura institucional que garantiu a manutenção de uma organização socioeconômica elitista e excludente, com a concentração do poder político personificada nas Forças Armadas.
John Hillegass. Pinterest.
O termo "golpe de Estado", por sua vez, cai como uma luva a esse cenário: "subversão da ordem constitucional e tomada de poder por indivíduo ou grupo de certo modo ligados ao Estado".
Quando jactam-se do arrojo econômico que supostamente deram ao país, mentem mais uma vez. Se as taxas de crescimento aceleraram, especialmente entre 1969 e 1973, foi por um "milagre econômico" chamado endividamento: a dívida externa nacional, de US$ 3,3 bi em 1964, converteu-se em inacreditáveis US$ 105,1 bi ao final de 1985, segundo o Banco central.
O crescimento não foi acompanhado por distribuição de renda e aumentou a desigualdade. Dados do Ipea (instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelam que apenas em 2012 conseguimos retornar ao nível de igualdade de 1960, com o índice Gini brasileiro caindo a 0,530 (a escala vai de 0 a 1, sendo 1 totalmente desigual). Já a inflação acumulada de 1964 foi 89,9%, enquanto bateu em 235,11% no último ano de governo militar.
A corrupção esteve sempre presente, tanto nos conchavos do governo central com seus aliados políticos nos estados (daí surgiram Sarney e ACM, por exemplo) como na administração federal, marcada por obras "faraônicas": exorbitantes e caras, sem fiscalização e que nem sempre foram concluídas ou efetivas para o país.
“A corrupção nas Forças Armadas está tão grande que a única solução para o Brasil é fazer a abertura”, desabafou Ernesto Geisel, como registrou o livro História Indiscreta da Ditadura e da Abertura (Record, 1999), do historiador Ronaldo Costa Couto.
Brechó Relance. Pinterest.
Nem precisamos falar sobre as mentiras contidas na promessa de proteção da população, que perdeu seus direitos políticos, civis e sociais. Perseguição a opositores, prisões arbitrárias, tortura, execuções e ocultação dos cadáveres deram o nefasto tom do período. Com o detalhe de que quem denunciasse, além de censurado, seria "convidado" a conhecer os porões da repressão e poderia ter o mesmo fim.
Todos esses fatos e muitos outros, que dariam mais um livro sobre a ditadura brasileira e seu modus operandi, não deixam dúvidas de que não existe data mais perfeita para essa triste - mas importante - efeméride. Primeiro de abril de 2014, aniversário de 50 anos de uma das maiores mentiras que o Brasil já conheceu. J-J