Em sua obra
Os Sertões Euclides da Cunha consegue mesclar elementos primordiais do jornalismo juntamente com os de literatura. Euclides apresenta uma linguagem rica e variada em seu texto, a partir de um fato histórico, em que ele foi correspondente jornalístico do Estado de São Paulo. O diferencial do autor encontra-se na sua forma de, além de narrar o evento, utilizar conceitos antropológicos, científicos, geológicos, o que enriquece seu trabalho.
O livro foi lançado em 1902 e é considerado um dos mais sublimes livros da história brasileira. O livro é enquadrado como pré-modernista, pois faz uma análise crítica da realidade social e cultural brasileira do século XX.
Canudos era uma vila no interior do sertão baiano, com cerca de 5200 casas postas em labirinto. Os mais de 30 mil habitantes tinham como líder político e religioso Antonio Maciel, o Conselheiro.
Figura considerada como sublime e divina. “Era o profeta, o emissário das alturas, transfigurado por ilapso estupendo, mas adstrito a todas as contigências humanas, passível do sofrimento e da morte, e tendo como função exclusiva: apontar aos pecadores o caminho da salvação” (pág. 134). Vestia um mato branco e um turbante azul na cabeça. Pregava que o messias viria e iria destruir todos os homens maus. Era tido como condutor, um feixe de esperança.
Canudos possuía autonomia até que começou a incomodar os poderosos e a igreja. A vila foi subjugada quatro vezes pelos militares pelas ideias monarquistas de Conselheiro e pela sua negação à instauração da república. Euclides da Cunha, portanto, é comissionado para ser correspondente da guerra que logo iniciaria em Canudos.
O livro é constituído em três partes principais embasadas em uma concepção científica determinista do historiador Taine, que dizia que para estudar um povo era preciso conhecer seu meio, sua origem e sua história. Partindo desses elementos, Euclides organiza seu livro em A Terra, O homem e A luta, demonstrando grande repertório de sua parte para tratar de temas, como raça, geografia e história, de forma detalhada, minuciosa e descritiva. Para ele chegar a falar do homem que habita aquele lugar, ele inicia o seu texto a partir da geologia desse lugar, de seus traços climatológicos, vegetativos, montanhosos e terrenos.
Em A Terra, a primeira parte do livro, realiza-se um estudo científico onde o sertanejo vive, mostrando, em riquezas de detalhes, o sertão nordestino. “O sertão de canudos é um índice sumariando a fisiografia dos sertões do Norte. Resume-os, enfeixa os seus aspectos predominantes numa escala reduzida. É-lhes de algum modo uma zona central comum” (pág.40).
Nesse bloco, Euclides explica primeiramente o relevo do Planalto Central, que segundo ele “a terra se alonga em planuras amplas, o se avulta em falsas montanhas, de denudação, descendo em aclives fortes” (pág. 19-20, adaptado).
Depois ele passa a descrever a paisagem sertaneja: seca, dias quentes e noites frias, cheias de árvores sem folhas e espinhentas. O autor descreve o sertão como “o terror máximo dos rudes patrícios” (pág. 40) por causa do mal que assola a todos: a seca. Euclides ainda consegue fazer um estudo da seca em um espaço de anos, o que acarreta valor histórico ao seu livro.
Descreve-o ainda a partir de sua flora. A partir de valores sentimentais ele diz que “a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o atrai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças [...]” (pág. 44). Percebe-se que além de descrever o ambiente, o autor procura tirar suas impressões deste, procurando dar a ele sentimentos dos mais variados. Muitas vezes ele dá características humanas a flora.
Em O homem tenta-se mostrar a origem do sertanejo, sua cultura, seus costumes e suas crenças. “O sertanejo é, antes de tudo, um forte [...] Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas” (pág. 105, adaptado). O escritor traça o perfil físico e psicológico do sertanejo, o caracterizando, por exemplo, como “Hércules Quasimodo” e como um “homem fatigado”.
Caracteriza também Antonio Conselheiro, que, além das características já citadas, agrega em torno de si, pessoas alienadas e retardadas culturalmente. “A sua biografia compedia e resume a existência da sociedade sertaneja” (pág. 135). Nasceu em Quixeramobim, no Ceará, onde trabalhou e logo se casou. Quando foi traído pela mulher, resolveu andar pelos sertões. Após dez anos, Antonio surgiu como o líder religioso e como o peregrino de muitos sertanejos. Ele era um reflexo do seu povo.
Em A luta o líder religioso instala-se em uma antiga fazenda em Canudos o que agrava a situação, porque esse abrigo era um abrigo de criminosos. Tal atitude levou o governo do Estado da Bahia a organizar uma expedição para desbaratar o arraial de Canudos. Muitas expedições de guerra foram realizadas, e sempre o povo resistia. Muitos foram presos e degolados. E muitos também resistiram com fome e sede. A Luta é uma das partes mais importantes do livro, porque mostra o massacre sanguinolento realizado pelo exército, e a luta perseverante dos sertanejos. “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo,na precisão integral do termo, caiu no dia 5 (de outubro de 1897), ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas : um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam ruinosamente cinco mil soldados”.
Os Sertões, motivo de estudo para pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento, possui leitura rica, detalhada, mas que requer de grande aporte de conhecimento. Para lê-lo é preciso bagagem teórica acerca da Guerra de Canudos. É necessário também de um dicionário, visto sua complexidade extensiva, seu vocabulário erudito e repleto de detalhes. A obra requer preparo. (JJ)
Por: Emerson Garcia