Quinta de série: João de Deus - cura e crime

Pode conter spoilers!

João de Deus é um dos maiores médiuns do Brasil, reconhecido mundialmente por seu trabalho espiritual e suas curas. O espiritualista alcançou fama internacional, sucesso e dinheiro, mas, até que ponto ele manteria esse prestígio e admiração?! Sobreviventes, procuradores e mídia passaram a denunciar os abusos sexuais de João e seu castelo começaria a desmoronar... Até que ponto as curas feitas pelo médium são verdadeiramente curas?! Curas podem ser ligadas à crimes?! A produção da Netflix tem a faixa etária de 18 anos, com quatro episódios, de em média 50 minutos cada um. 

A docusérie é costurada com imagens exclusivas e entrevistas com todas as partes envolvidas no escândalo de João de Deus. Ele foi denunciado por mais de 500 mulheres em 2018 por crimes sexuais que aconteciam numa salinha, aonde João ficava com as vítimas e dizia fazer consultas espirituais. 

João Teixeira de Faria - conhecido como João de Deus - criou uma seita em torno de sua pessoa, ganhando uma fama imensa. Ele dizia curar doentes e desenganados graças a espíritos de falecidos (como de um doutor alemão) que incorporavam nele, faziam-no entrar em transe e canalizavam por meio dele suas energias em procedimentos que praticava utilizando facas de cozinha ou tesouras, sem a utilização de anestesia.  

Milhares de pessoas asseguram a recuperação da saúde graças à João de Deus, mas centenas de vítimas o denunciavam, mostrando essa dicotomia proposta pelo título. Ele dizia que não era ele quem curava, mas as entidades que incorporavam nele. Abadiânia (GO) virou local de turismo, desde a década de 1970, devido à Casa Dom Ignacio de Loyola e as curas milagrosas do médium. Tanto ele como seus seguidores utilizavam roupas brancas. 

A Casa recebeu a visita de famosos, como Oprah Winfrey, Xuxa, Giovanna Antoneli, Marcos Mion, além de políticos e pessoas de alta influência. Não havia limites das pessoas para visitar o ambiente. Elas faziam perigrinações, viajavam de jatinhos e vinham do exterior ao encontro desse homem. João ganhou fama, poder e dinheiro, por meio da fé e do espiritismo. Contudo, também começou a ganhar acusações. No final de 2018, um programa de TV relatou que cinco mulheres o acusavam de abusos sexuais, aproveitando-se da sua fé. Era só o começo da derrocada do religioso. Ele foi condenado a 64 anos de prisão, após denúncias de mais de 500 mulheres e meninas, inclusive uma de suas filhas.  

A docusérie promete (e consegue) dar voz às mulheres corajosas que denunciaram o espírita mais admirado e poderoso do Brasil. Elas relatam torturas físicas e psicológicas, coações e abusos sexuais que sofriam. O cara era um aproveitador, que utilizava métodos um tanto quanto estranhos e agredia suas vítimas das formas mais nefastas e terríveis possíveis. A dor dessas vítimas é exposta na telinha, mas também a sororidade e união delas, entre si, que formaram uma rede de apoio e desabafo. A série consegue dar voz as sobreviventes dos abusos do médium, incluindo sua filha, Dalva Teixeira de Sousa, de forma sóbria, respeitosa e humana. As mulheres não falam somente do abuso em si, mas dos impactos dele em suas vidas. Desse modo, o movimento #MeToo veio à tona. Ele ajudou a encorajar mulheres a denunciarem seus abusadores, num poderoso fenômeno mundial.     

Somado os depoimentos das mulheres, há declarações de autoridades, como promotores e policiais, além de outros ex-funcionários da Casa Dom Inácio. Eles ajudaram a descortinar ainda mais esse outro lado de João de Deus, com relatos que envolvem uso de armas, intimidação e a extorsão de comerciantes e empresários de Abadiânia. João tornou-se um gângster na cidade, acusado de posse ilegal de arma de fogo, crimes sexuais e violação sexual mediante fraude. Mais de 15 denúncias foram apresentadas ao Ministério Público.

Sem filtros, são apresentadas as técnicas escabrosas que João de Deus operava seus supostos milagres. Ele introduzia tesouras no nariz para extrair tumores, facas nos olhos para realizar curas. Tudo isso, sem anestesia e com sangue jorrando por todos os lados. Essas cenas me deram enorme gastura. As práticas eram controversas, mas o documentário não discute se eram fraudes, ou não. Pessoas eram, supostamente, curadas de câncer terminal, cegueira ou esclerose múltipla. João não cobrava por essas operações espirituais, mas aceitava as doações que recebia. Pousadas, restaurantes, taxistas surgiam, juntamente com o poder econômico do médium. Ele criou um império em torno do espiritismo, se tornando poderoso e acumulando patrimônio. Seu poder era tamanho, que ele neutralizava qualquer tentativa de denúncia quando surgia, mas não pode evitar eternamente.  

João cometeu inúmeros crimes e passou incólume por muito tempo, por conta de seu poderio. A série também discute como a fé e a crença alheia pode ser manipulada por alguém em proveito próprio. Cura e Crime apresenta um enredo sensível e impactante, principalmente pelo relato das mulheres. O objetivo não foi o de aprofundamento do histórico do médium ou em seus crimes, mas mais nos dramas das vítimas. Com direção de Maurício Dias e Tatiana Villela, produção executiva de Bianca Corona e produção de Maurício Dias e Fernando Dias, a docusérie apresenta entrevistas exclusivas e materiais exclusivos da trajetória do médium. Vale a pena assistir. J-J

 

Por: Emerson Garcia