terça-feira, 7 de abril de 2020

A análise do universo, astros e cotidiano e a introspecção de Cícero em 'Cosmo'



Dia 16 de março o cantor Cícero lançou seu 5º cd, intitulado Cosmo (2020). O álbum vem após os lançamentos do clássico e premiado Canções de apartamento (2011), do experimental Sábado (2013), do solar A praia (2015) e do urbano Cícero & Albatroz (2017). Cosmo conta com 10 faixas, sendo um projeto de introspecção do cantor; análise do universo, astros e cotidiano; breves flertes com o amor; e expansão sonora. 

Por ser um álbum introspectivo, as músicas são mais calmas e seguem o ritmo da indie brasileira, mas isso não o onera. Com Cosmo percebemos que Cícero foi mais além na invenção e criatividade. Se ele começou com canções em seu apartamento, em um misto de solidão e alegria por conta do término do seu namoro; depois resolveu sair de dentro das quatro paredes, experimentando ir na praça, praia e cidade; agora ele chega em uma nova dimensão e espaço: o universo, cosmo.  

Aliás, o universo, digo que é a matéria prima do quinto álbum de Ciço. A voz do cantor é intimista, mas expansiva, do tamanho do universo, e as letras das músicas reafirmam essa minha teoria. Veja os trechos que falam do universo que separei:

"Céu não há" - Falso Azul

"Raio da manhã no luar" - Falso Azul

"Soltos no espaço" - Some Lazy Days

"E a onda no mar" - Esquinas

"A desviar dos astros e do asfalto" - Às luzes

"Parte do infinito onde eu caibo" - Às luzes

"Vem o sol pronto pra nos assar" - Marinheiro astronauta

"O céu anda mesmo distante" - Miradouro Nova Esperança

"Entre o céu e o chão é tudo meu terreno" - Miradouro Nova Esperança

"Ave no céu sem gravidade" - O que ficou

"O espaço-tempo cuida de todos nós" - Nada ao redor

"Toda partícula" - Nada ao redor

"Tudo é sonho seja qual for a dimensão" - Nada ao redor


Cícero, nesse álbum, observou o universo da janela do seu quarto. Embora seja dela, as canções traduzem toda essa amplitude e imensidão. Em entrevista ao O Globo, Ciço explicou mais do conceito do novo projeto:

"Esse disco fecha o movimento que iniciei com 'Canções de apartamento', de álbuns conceituais, em que o som se liga com as palavras. Em 'Cosmo', eu achei que a cor do som deveria ser aberta, quis me espelhar pelo espectro sonoro, ao contrário do que fiz no primeiro álbum, que era claustrofóbico."


Cosmo foi inteiramente gravado em Portugal, entre Lisboa e Porto, em 2019 e pensado para ser tocado ao vivo. Por enquanto, o cantor não pode lançar esse desbunde de cd ao vivo, devido à pandemia do Coronavírus. Sua saída, por enquanto, foi liberar o projeto digital e passar a tocá-lo em lives intimistas, como o movimento #tamojunto, que o levou de volta para o quartinho durante um festival totalmente online.  

As gravações do cd foram nas casas em que o cantor morou em Portugal e em estúdios de amigos, como o de Marcelo Camelo e Mallu Magalhães.

Críticos chegaram a dizer que Cosmo demonstra um precioso ponto de encontro entre Canções de Apartamento (2011) e Sábado (2013). Concordo em partes, pois Cosmo apresenta uma face mais existencialista e reflexiva que qualquer álbum anterior do cantor. Ou seja, Cícero saiu do que já conhecemos dele e mostrou um novo estilo.

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O álbum está disponível gratuitamente no Youtube, Deezer, Spotify e iTunes. Você pode ouvi-lo agora mesmo enquanto continua o meu texto.





Cosmo possui 10 faixas, são elas: Falso Azul, Some Lazy Days, Esquinas, Às Luzes, Marinheiro Astronauta, Miradouro Nova Esperança, O que ficou, A chuva, Banzo e Nada ao redor. Falo de cada uma em detalhes agora:




Falso Azul



O início de Falso Azul lembra os arranjos de Sábado. A música demonstra a amplitude espacial que Cícero almejava. A música tem o coro incrível de três mulheres - Beatriz Pessoa, Mari Milani e Leonor Arnaut. A guitarra, baixo e synth são os grandes destaques da faixa. A letra fala da observação do espaço de um quarto de hotel (solidão) e do desejo de estar acompanhado. Esse trecho é incrível: "Batia o sonho e nesse sonho eu dançava com você Raiava o dia e nesse dia eu dançava com você Mas era sonho".  

Cícero abriu muito bem o cd com essa música que ganhou um clipe (Em breve ele poderá estar no Entre Frames, quem sabe...). Assista-o:







Some Lazy Days



A música mais animada do projeto, que demonstra a despretensão e relaxamento do cantor. A bateria é expressiva nessa canção, que conta com um incrível coro masculino - Gabriel Ventura, Pedro Dias Carneiro, Cairê Rego e Carlos Fuch. Ela foi dedicada ao guitarrista da sua banda, Gabriel Ventura, e à mulher dele. É uma letra que fala do romance de um homem por sua mulher e o desejo daquele de fazer um filme bem fictício. Cícero falou mais da letra em entrevista a O Globo:

"É a história da vida deles, e tem a ver com os livros que eu li. Às vezes minhas letras são puramente filosóficas, dão uma seriedade que a música não tem."


Destaco o trecho: "Na tela, a  rua e o sol Cuidando da gente Ah, meu amor, meu amor Ignorando riscos soltos no espaço". 



Esquinas



Gosto muito do instrumental dessa canção, principalmente do final quando há uma mistura de MPB e sons mais eletrônicos e urbanos. Essa canção mostra a melancolia e introspecção do cantor. A letra fala da observação da rua, após o encontro de Cícero com um amor. Uirá Bueno toca instrumentos inóspitos: ganzá e congas. Fique com um trecho: "A rua anda estreita talvez seja culpa do mar Acabo de revê-la ainda sem nada para falar"



Às luzes



Às luzes é outra faixa com um som bem aberto e espacial. Ela tem paradas dramáticas, com sons de wurlitzer, baixo synth e outros instrumentos. Gosto da instrumentalidade dela. Na letra Cícero flerta com o espaço e a luz, em um movimento bem psicodélico. Deixo o trecho: "Vem de lá a luz dos prédios, dos carros Arranhando o céu que se perdeu no chão afundado E afundando à nossa volta Tudo está ruindo e iluminando em sua direção Nesse lugar"



Marinheiro astronauta



Marinheiro Astronauta tem um ritmo solar, alegre e envolvente. O violão e os assobios merecem destaque. A música parece conter várias músicas e ritmos dentro dela (Há pelo menos duas). A letra descreve um dia qualquer na praia e a observação do céu. Destaco o seguinte trecho: "Vem o sol pronto pra nos assar Onde for, ele também vai estar"




Miradouro Nova Esperança




A faixa que mais exprime os tempos sombrios que estamos vivenciando com a pandemia do coronavírus, isolamento e quarentena. A letra começa melancólica e cheia de dúvidas ("É, são dias estranhos Também não sei onde vai dar"), até que chega em um trecho de esperança ("Até onde sei o tempo tende a melhorar"). Embora a música seja bem atual, ela foi escrita e gravada em 2019, quando nem tínhamos ideia dessa epidemia. Entre os instrumentos que merecem destaque estão o violino, cello e trompete. Aliás, falando neles as mulheres quem os tocam nessa faixa.   



O que ficou



O que ficou me lembra o ritmo de bossa nova e tem uma pegada interessante. Ela foi tocada com guitarra, baixo, piano, violino e bateria. A letra mostra pensamentos filosóficos e reflexivos, além de falar de lembranças e memórias. Destaco o trecho: "Encontrar onde a lembrança está Onda no cais sem mar Ave no espaço sem gravidade"



A chuva



A música conta com a imponência do clarone. A chuva é uma letra romântica e sentimental, ideal para ser ouvida em dias chuvosos e reflexivos. A música termina de forma abrupta, do nada. Cícero nos deixa no ar e com vontade de que ela continue. A letra nos dá um tapa na cara, quando diz: "Pensei que o erro fosse um lugar que pudesse estar distante Pensei que o tempo andasse pra trás se eu quisesse bastante Errei"



Banzo



Banzo (do quimbundo mbanza) significa aldeia e era como se chamava o sentimento de melancolia em relação à terra natal e de aversão à privação da liberdade praticada contra a população negra no Brasil na época da escravidão. É uma das músicas mais tristes e reais  (histórica) de todo o cd. A música só conta com a voz inconfudível de Cícero, que toca guitarra e baixo. E nada mais! O usuário do Youtube Cleydson Gomes disse:

"Foi também uma prática comum de resistência aos maus tratos e ao trabalho forçado. Pode-se falar que banzo é um sinônimo de depressão."


Fique com esse soco no estômago: " "Já teve a visão de ser avião no marasmo? Flor da minha calçada, estrela do alto: Andava leve e a vida me aconteceu Não tem onde agarrar Chão também é ar Onda bate e esquece Não lembro o que me bateu Nem quem eu era Antes de chegar aqui" ". 



Nada ao redor




Cícero é mestre em começar e terminar seus projetos. Nada ao redor fecha Cosmo lindamente. A música é meditativa, além de contar com um encorpado instrumental sintetizado de rhodes, vibrafone, cello e trumpet. Cícero brilha, como nunca antes, com sua voz suave e acústica. Fique com o trecho: "Avistando o abrigo necessário Cabeça pára-raio".


Capa



A capa é autoexplicativa e traz um céu estrelado, com fumaças cósmicas. Sou capaz de ficar olhando-a por horas enquanto escuto as músicas, como muitas pessoas no Youtube fizeram. É uma capa viajante e psicodélica.

Esse é o Cosmo. Espero que tenha gostado. J-J


Por: Emerson Garcia

5 comentários :

  1. Não sabia que o Cícero tinha lançado um novo CD, vou agora mesmo procurar. Amei sua análise. Já estou seguindo o blog.

    Beijos

    Imersão Literária

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  2. Olá:- Músicas maravilhosas de se ouvir
    .
    Feliz Semana Santa.

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  3. Oi, Emerson sua análise foi espetacular, parabéns! O cd parece ser ótimo. Abraço!


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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  4. Adoro as músicas do Cícero. Quero logo ouvir tudo.

    Valeu pela indicação!

    https://naoseavexe.blogspot.com

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  5. Fiquei com vontade de ouvir Emerson! Vou curtir aqui nessa quarentena. :)

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