segunda-feira, 5 de junho de 2017

Cota racial faz sentido?






O último dia 13 de maio foi marcado pela celebração dos 129 anos da abolição da escravidão no Brasil, materializada pela assinatura da Lei Áurea em 1888, pela então Princesa Isabel. Coincidentemente, nesse mesmo mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a constitucionalidade da lei que prevê a reserva de vagas para pretos e pardos em concursos públicos, reserva essa que garante percentual mínimo de cotistas entre os aprovados.

Paralelamente a lei de cotas, o Brasil possui outras que preveem a reserva de vagas em universidades públicas e Institutos Federais, dispondo de um número predefinido de acesso a pretos e pardos.

Segundo dados do IBGE, em 2015, dos 207 milhões de habitantes do país, 104 milhões se declaravam pretos ou pardos, ou seja, quase 51% da população. Essa percentagem revela que a maioria da população é composta por essas raças, mas o que a realidade nos revela em relação a isso?


- Apenas três em cada dez servidores públicos são pretos ou pardos (dados do IPEA);

- Em cargos de maior prestígio, como de juízes ou procuradores, o mísero percentual de 1,4% representa os negros e pardos nessa categoria profissional. Isso quer dizer que a cada cem profissionais da área, menos de dois são pretos ou pardos (dados do CNJ);

- O percentual de pretos ou pardos em Universidade Federais é de apenas 9,8%. Ou seja, a cada dez estudantes de universidades federais, apenas um é preto ou pardo (dados do MEC).






Será que essa população é tão incapaz que não consegue estar presente nesses segmentos da sociedade tão valorizados e respeitados? A resposta é mais complexa do que se imagina. Para entender melhor como esse contexto se formou, vamos supor que o jogo do Brasil X Alemanha da Copa do Mundo de 2014 acontecesse até hoje. Como bem sabemos, durante os 90 minutos dessa marcante partida sofremos sete gols e marcamos apenas um, gerando aquele inesquecível placar de 7 a 1. Se esse jogo estivesse acontecendo até hoje interruptamente o placar estaria em 163.080 para os alemães, e apenas 43.488 para o Brasil. Nessa hipótese é obvio que se nada for feito a diferença no placar aumentará e gerará mais desigualdade na partida.

Assim deve ser entendido o cenário atual da população preta e parda do país. Em 1888 foi
iniciada a “partida” da vida livre do povo negro, que iniciou o jogo em larga desvantagem. Sem terras, posses ou qualquer tipo de propriedade se viu obrigado a seguir as margens da sociedade, a época predominantemente branca. Sem acesso a educação, saúde e moradia de qualidade, essa população cada vez mais se marginalizou. Atualmente 67% da população carcerária é composta por pretos ou pardos (dados do Infopen em 2015).





A utilização do mecanismo das cotas tem o objetivo de mudar a estratégia desse jogo vivido pelos negros desde 1888, literalmente furando a fila e inserindo negros em segmentos da sociedade, onde antes só existiam brancos, como é o caso da procuradoria e justiça. Inserir essa população no serviço público ou em universidades públicas é fazer a justiça social que não foi feita nos últimos cem anos.

Outro dado interessante é que nem a Casa do Povo ou o Congresso Nacional representam a realidade populacional do país, já que dos 594 senadores e deputados federais apenas 108 se declaram pretos ou pardos, ou seja, menos de 20% do total (dados do TSE em 2014). Assim, insistir que no Brasil não existe preconceito e que todo sucesso deve ser fruto da meritocracia é vendar os olhos para a realidade do país e deixar que aquele jogo desastroso continue em curso. J-J


Mande sua sugestão de pauta: jonas-sousa@ufmg.br 


Por: Jonas Gomes, economista e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais

9 comentários :

  1. Gostei do texto Jonas. E acho muito relevante o assunto. Diferenças existem desde sempre e sinceramente não vejo quando irá acabar.

    rasgadojeans.blogspot.com

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  2. Nossa a explicação do 7x1 e o total na data de hoje foi maravilhosa. Você foi profundo rsrsrsrs....
    As diferenças sempre vão existir mas eu pensei o seguinte lendo a matéria: Se o país tem 50% mais pretos e pardos porque não chega 2% de cargos altíssimos ocupados por eles?
    Acho que não rola tanta discriminação se for BOM...não sei, pode existir racismo mas também tem que ser bom para ocupar lugares altos!
    Acho que vc consegue entender meu raciocínio kkkk

    Beijinhosss ;*
    Blog Resenhas da Pâm

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    Respostas
    1. Olá Pamela, entendi sim seu raciocínio. Ele é baseado na meritocracia, algo muito difundido e defendido no nosso país.
      Muitas pesquisas científicas já constataram que não existem diferenças intelectuais entre brancos e negros, logo ambos saem com a mesma capacidade da maternidade e tendo as mesmas oportunidades, certo?
      Mas então porque não vemos essa parcela da população se destacando?
      A resposta está nos números. A quantidade representativa da população negra em cargos de destaques vem crescendo de forma pífia, quiçá ao ritmo do 7 x 1. Logo é necessário inseri-los, como eu disse no texto "furando a fila", para que essa equação comece a se equilibrar.
      Espero ter ajudado.
      :)

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  3. Bom, por ser branca, esse não é nem o meu lugar de fala, mas acredito que as cotas são necessárias sim. O racismo ainda é muito forte na nossa sociedade, ainda mais nos cargos maiores. Adorei a analogia que você fez com o 7x1...perfeito. Deu para todo mundo captar.

    Beijos ♥

    Jéssica || Fashion Jacket
    www.fashionjacket.com.br

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    1. Olá Jéssica, todos têm lugar de fala nessa discussão. Na verdade são essas discussões que permitem que políticas como essa existam. O diálogo entre todas a raças e credos deve sempre existir e sempre de forma pacífica, o que só tende a somar no desenvolvimento de uma sociedade melhor.
      :)

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  4. Que texto, que reflexão, que analogia! Parabéns pelo texto! ❤

    www.kailagarcia.com

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  5. Sempre discutimos isso na faculdade nas aulas de Politicas Públicas, mas confesso que eu não tenho uma opinião formada e fechada.

    Belo texto!

    http://www.cherryacessorioseafins.com.br

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    Respostas
    1. Olá Simone, parabéns pelo interesse no assunto. Como tenho feito nos artigos aqui publicados, apenas exponho alguns fatos e deixo para que os leitores tomem suas próprias conclusões. Espero ter ajudado numa discussão acadêmica futura.
      :)

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