Quinta de série #serieteners #6: Amor e Sorte

Pode conter spoilers!

Esse é o Serieteners - séries da quarentena. Na edição de hoje falo de Amor e Sorte, minissérie da Globo e Globoplay criada durante a pandemia. Ela foi exibida de 8 de setembro a 25 de dezembro de 2020, criada por Jorge Furtado (Mister Brau, Sob Pressão e Todas as mulheres do mundo), com direção artística de Patricia Pedrosa (Cine Holiúdy, Shippados e Todas as mulheres do mundo) e Andrucha Waddington. Uma curiosidade é que ela foi baseada na série Diário de um confinado, que trata do mesmo tema e que já foi falada aqui no blog. 

Amor e Sorte é uma minissérie em quatro episódios independentes, que tratam de estórias sobre relacionamentos e transformação em tempos de isolamento social. Cada trama é uma poesia diferente sobre a quarentena e pensada para ser interpretada por grandes nomes da dramaturgia que passam este período juntos. No primeiro episódio, as protagonistas são Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha na vida real; no segundo, Lázaro Ramos e Taís Araújo, casados na vida real; no terceiro, Emílio Dantas e Fabíula Nascimento, marido e esposa na vida real; e no quarto, Luisa Arraes e Caio Blat, que mantém um relacionamento amoroso.

Perceba que Amor e Sorte fala da vida cotidiana e familiar, abordando como pessoas comuns lidam com a quarentena e seus efeitos em suas relações. A quarentena ocasionou novas rotinas e vivências entre as pessoas, colocando à prova casamentos, amizades e parcerias. A série, portanto, mergulha nos conflitos internos e externos que surgem com a convivência forçada. Mesmo que os episódios sejam independentes e que a minissérie possa ser conceituada como uma antologia, essas questões permearam todos os episódios. Foi abordado a dificuldade de relacionamento entre mãe e filha; as linhas de raciocínio de um casal que estava à beira do colapso; o desafio de estar em isolamento com alguém que você acabou de se separar; e a inventividade de um recém casal para lidar com a quarentena. O criador e diretor da série, Jorge Furtado, disse o seguinte:

“A situação-limite que estamos vivendo, confinados, em convivência forçada, amplifica todos os princípios da relação. Casamentos, amizades e parcerias são colocados à prova numa quarentena e podem sobreviver, mais fortes, ou sucumbir.”

Ideia da série

Jorge Furtado criou a série Amor e Sorte com o objetivo de dar leveza ao momento trágico vivenciado, mas sem deixar a realidade de lado. Furtado queria criar um material audiovisual de modo que os atores contracenassem em segurança. Ele apostou em atores que já se encontravam isolados juntos e passou a ensiná-los, de forma remota, a operar a parte técnica - da câmera ao som, fotografia e cenário. Ele disse o seguinte em entrevista:

"O maior critério foi não ter risco para eles. Só funcionaria os atores fazendo tudo, e a gente estando remoto. O público não vai sentir falta de nada."

Para a composição do elenco, Jorge realizou uma lista mental de atores que estavam confinados juntos. Isso se confirmou na forma como os episódios se distribuíram. Lázaro Ramos e Taís Araújo; Caio Blat e Luisa Arraes; Emilio Dantas e Fabíula Nascimento que são os três casais que mostram como as relações românticas foram afetadas pela pandemia em seus diferentes estágios. Já Fernanda Montenegro e Fernanda Torres apresentam uma outra perspectiva. 

O desafio da série foi trazer leveza e bom humor mesmo de uma situação tão triste e catastrófica como a que vivenciamos. Assim, o humor estava presente, mas também foi depositada a emoção, drama, etc. 

Amor e sorte são dois desejos comuns, especialmente nos dias de hoje, e trazê-los no título foi fundamental para toda a ideia que a série planejou passar. 

Produção remota

A série, de forma geral, foi filmada e produzida única e exclusivamente pelos atores. A produção deixou a câmera, o equipamento de som, de luz, os figurinos, os materiais de arte, na porta da casa deles. Os materiais necessários para um set de filmagem foram higienizados e montados e operados pelos atores, com o direcionamento virtual dos produtores. Patricia Pedrosa falou desse processo:

"É como se fôssemos músicos de uma orquestra entregando flauta, violino, piano, oboé, harpa, entre outros instrumentos, para trompetistas tocarem. Estamos descobrindo uma nova maneira de filmar."

Os episódios foram filmados de maneira 100% remota e a qualidade é de como se não tivesse sido realizados em casa. Taís Araújo e Lázaro Ramos revelaram que acompanharam as instruções dos técnicos e que assistiram até a tutoriais no Youtube na hora de lidar com os equipamentos. 

Essa "dramaturgia da pandemia" (conceito cunhado por Jorge Furtado) foi recebida pelos atores como uma descoberta de novas habilidades. Os casais que compõem a maioria dos episódios tiveram que aprender a lidar não só com o criativo, mas com o técnico. Um fato interessante foi que no episódio das Fernandas, filhos e netos participaram ativamente de todo o processo. 

Episódios

Os episódios foram distribuídos assim:

- Gilda e Lúcia: estrelado por Fernanda Torres e Fernando Montenegro, como mãe e filha que se distanciaram por questões ideológicas e foram obrigadas a se reunir na pandemia.

- Linha de raciocínio: estrelado por Taís Araújo e Lázaro Ramos que vivem um momento de grande turbulência no casamento devido a divergências que são pioradas pelo isolamento.

- Territórios: Emílio Dantas e Fabíula Nascimento vivem um casal que está se separando quando a pandemia se instaura.

- A beleza salvará o mundo: estrelado por Luisa Arraes e Caio Blat, fala de um relacionamento que começa junto com a pandemia. 

A partir de agora falo das minhas impressões e pontuo cada episódio. 

Fernanda Montenegro é Gilda e Fernanda Torres é Lúcia em Gilda e Lúcia. Elas precisam lidar com o isolamento e com fantasmas do passado. Lúcia é uma mulher de negócios que volta para o Brasil para ajudar sua mãe se livrar dos perigos da contaminação do coronavírus, já que ela não consegue manter-se isolada. Lúcia decide levar Gilda para um sítio da família e as duas tem que manter um relacionamento um tanto quanto difícil. 

O episódio é de Antônio Prata, Jorge Furtado, Chico Mattoso e Fernanda Torres. A ideia inicial era mostrar uma mãe que esconde da filha a chegada da vacina para que a convivência delas não chegue ao fim. No entanto, a ideia foi modificada para trabalhar a problemática da relação das duas, bem como seus contrastes. Enquanto Gilda é uma mãe descolada, Lúcia é a filha careta e dedicada aos negócios. 

Chico Mattoso contou detalhes do episódio: 

“Boa parte do nosso trabalho foi descobrir quem eram essas duas mulheres. Tínhamos esse princípio que era essa relação conflituosa. A gente sabia que tinham feridas abertas nessa relação, mas tínhamos que descobrir que feridas eram essas. Foi a parte mais saborosa, escavar quem eram essas duas pessoas e que conflitos iriam acontecer nessa convivência forçada dentro de um sítio.”

Taís Araújo e Lázaro Ramos vivem Tábata e Cadu em Linha de raciocínio, um casal que está à flor da pele por causa da pandemia e que deixa isso atingir de alguma forma a relação deles. Enquanto Tábata era uma montanha-russa de sentimentos, Cadu queria resolver tudo para todo mundo e cuidar dos familiares e amigos ao mesmo tempo. 

O episódio foi escrito por Alexandre Machado que traz o questionamento das ideologias pré-quarentena e sua existência - ou não - durante a pandemia. Ele contou mais detalhes:

"O episódio fala do limite emocional pelo qual todos nós passamos durante essa quarentena. O confinamento forçado leva as emoções ao extremo, e nos vemos vivendo conflitos antes inimagináveis, sobre os assuntos mais prosaicos. Na história, acompanhamos como um casal reage a um panelaço, transformando uma crise política numa crise matrimonial. Vemos a dor e o ridículo disso.”

Emílio Dantas e Fabiula Nascimento protagonizam a estória de um casal que caminha para o divórcio quando o isolamento começa em Territórios. O texto é assinado pelas autoras Jô Abdu e Adriana Falcão. 

Na estória, os personagens Clara e Francisco decidem se separar à noite e, no dia seguinte, ele já viajaria para um congresso. Só que pela manhã é surpreendido pelo cancelamento do voo. Para piorar a situação, ela fica doente e os dois suspeitam que ela esteja com o novo coronavírus. Eles precisam ficar isolados dentro da mesma casa, lidando com a situação caótica no mundo e ainda enfrentar a crise na relação. Adriana Falcão falou mais do episódio:

“Esse é um texto que fala da dificuldade do momento para aquele casal, que sabia que se amava, mas que estava com uma crise no meio de uma pandemia. A mensagem que queremos passar é que as crises podem se resolver e muitas vezes são necessárias. Esse casal, que foi obrigado a conviver, teve que se reinventar. Às vezes, é legal reinventar. Pode ser que se saia muito mais forte, se amando mais até.”

Em A beleza salvará o mundo, Caio Blat e Luisa Arraes são Manoel e Teresa, um engenheiro químico aspirante a diretor de cinema e uma atriz. Os dois se conhecem justamente no fim de semana em que o isolamento social se inicia e eles são obrigados a conviverem juntos. E aí que eles tem a ideia de gravarem um filme. 

O casal não apenas atuou, como dirigiu e escreveu o episódio. Caio Blat e Luisa Arraes protagonizaram o texto deles próprios e de Jorge Furtado. O diretor falou do episódio:

“A grande mensagem desse episódio é que ciência e arte, juntas, podem salvar o mundo. É uma comédia romântica deste casal quarentenado, que vai descobrindo junto como é fazer cinema, querendo resolver todos os problemas da humanidade dentro do seu pequeno universo."

Trilha sonora

A trilha sonora das aberturas - Parabolicamará - é de Gilberto Gil, como foi possível perceber nos vídeos acima. Na abertura, a música de Gil acompanha imagens de bastidores das gravações, como registro deste momento singular na história do audiovisiual.

As tramas dos episódios também foram embaladas por canções de Gilberto Gil como forma de homenagear o cantor. Versões de suas músicas foram gravadas por diversos artistas contemporâneos da MPB. 

De acordo com as estórias dos episódios, foram convidados artistas que estão passando o período de quarentena juntos. Em Linha de raciocínio, Sandy e Lucas Lima regravaram Estrela; Lucy Alves, Andar com fé; e Liniker regravou Barato Total. 

Nos episódios seguintes, ouvimos Céu e Pupilo, com Aqui e Agora; Milton Nascimento e Amaro Freitas, com Drão; Anavitória com Retiros espirituais; Pitty, com Questão de ordem; e Teago Oliveira, com Esotérico. Além de Elza Soares e Renegado, com Divino Maravilhoso; Rubel, com Palco e Silva, com A coisa mais linda que existe, da Gal. 

Amor e Sorte com Gilberto Gil

A série ganhou um especial musical produzido exclusivamente para o Globoplay. Ele mostra a história por trás das composições das músicas de Gilberto Gil, além de um grupo eclético de artistas em performances e parcerias inéditas para a gravação de novas versões dessas canções durante a quarententa. 

O time de artistas que participaram do projeto é formado por Sandy e Lucas Lima, Lucy Alves, Liniker, Céu e Pupilo, Milton Nascimento e Amaro Freitas, Anavitória, Pitty e Teago Oliveira. Além de Elza Soares e Renegado, Rubel e Silva. 

O episódio foi interessante por trazer um Gilberto Gil poeta e divagador, de uma forma nunca antes vista na telinha. As novas roupagens das canções de Gil também ficaram bem bonitas. No especial o cantor responde perguntas dos artistas participantes, faz uma viagem no tempo e conta curiosidades sobre o momento em que as músicas foram escritas, passando por temas de amor, ideologias e memórias de tudo que viveu até hoje. 

Gilda, Lúcia e o Bode

Falando em episódios especiais, não posso deixar de mencionar o episódio especial de natal da série que foi uma continuação de Gilda e Lúcia - Gilda, Lúcia e o Bode. A estória começa logo após o final do primeiro episódio, quando Gilda ganha um bode em uma rifa. Mãe e filha, então, devem lidar com o bode arrematado e com dificuldades financeiras. O episódio contou com a participação de vários outros atores. 

O interessante de Gilda, Lúcia e o Bode, é que ele se inicia no dia de natal e vai até o final do ano, contando com muitas aventuras e peripécias de mãe e filha. Achei o final emocionante e cheio de esperança. 

Repercussão e audiência

A série teve uma excelente repercussão e audiência com média de 19,5 pontos na exibição dos quatro episódios. O capítulo mais visto foi o Gilda e Lúcia (21,9), seguido de Linha de raciocínio (21,5), Territórios (18,0) e A beleza salvará o mundo (16,4). 

O primeiro episódio da produção desbancou até mesmo a bem sucedida 12ª edição de A Fazenda. 

Crítica

Eu particularmente gostei bastante da minissérie. É certo que tiveram episódios mais interessantes que outros, mas a série é de forma geral bela, inteligente, acalentadora e reflexiva. 

Amor e Sorte, ao mesmo tempo que é inventiva, é poética, por conta de seus diálogos, fotografia e produção de arte. Com pouco mais de meia hora, os episódios conseguiram imprimir o melhor e o pior dos protagonistas, em que seus personagens se confundiam com a vida real. A fotografia e os movimentos de câmera foram fabulosos e tornaram os episódios riquíssimos em qualidade mesmo que se passem dentro de quatro paredes. 

Particularmente meus episódios favoritos são Gilda e Lúcia e Territórios, além do especial de natal Gilda, Lúcia e o Bode que foi um acalento a mais na época de final de ano. 

Aliás, Amor e Sorte flertou com vários tipos de vídeos, desde episódios antológicos, até uma experimentação de filme com Gilda, Lúcia e o Bode e até mesmo um episódio musical com Amor e Sorte com Gilberto Gil. Posso dizer, orgulhosamente, que vi tudo e que gostei da maioria das coisas que assisti.

Esse foi o Quinta de série de hoje, nessa sequência de posts especiais. Que não falte amor e sorte em sua vida. Esses sentimentos não fazem mal à ninguém (Mais amor e sorte, por favor!). Fique agora com um trailer da série Amor e Sorte e do especial Gilda, Lúcia e o Bode. J-J

 

Por: Emerson Garcia