Bolsonaro e o copo de leite: nazismo, alt-righ ou desafio?

Uma polêmica tem se instaurado nos últimos dias quando Jair Bolsonaro tomou copo de leite junto com outros políticos em sua live no último dia 28 de maio. Supostamente, Bolsonaro fez um aceno e cumprimento aos grupos de extrema direita, além de ter sido um símbolo nazista e uma saudação da supremacia branca. 

Será que o significado do copo de leite é justamente esse? Ou tem algum desafio e significado por trás? Esse post tem o intuito de investigar a fundo as interpretações e versões do copo de leite, bem como traçar uma cronologia de como esse símbolo foi utilizado e seus bastidores.

Há aqueles que julgam que o gesto saudou o nazismo, outros a direita brasileira e alguns a supremacia branca americana. Vamos devendar tudo isso nesse post! Diga não às fakes news! 

Copo de leite e nazismo

Na Alemanha nazista era costume nos movimentos de extrema direita supremacista branca, encontros para se beber leite e banhar-se com leite. Para Adriana Dias, doutora em antropologia social pela Unicamp e que estuda o nazismo, há uma referência explícita entre a atitude e o conhecido novo nazismo. Ela disse o seguinte:

“O leite é o tempo todo referência neonazi. Tomar branco, se tornar branco. Ele vai dizer que não é, que é pelo desafio, mas é um jogo de cena, como eles sempre fazem.”

As atitudes dos políticos na live pode ser, nessa interpretação, uma forma de afirmação branca. O "tomar branco", o "se tornar branco". Nesse sentido, é uma provocação ao povo brasileiro e uma invocação ao nazismo. 

O antrópologo David Nemer, estudioso do bolsonarismo, explicou em uma thread no Twitter que foi uma tentativa racista, baseada na ciência para diferenciar e justificar a raça branca. Contudo, a ciência afirma não haver qualquer supremacia de raça para justificar ideologias racistas. Qualquer atitude nesse sentido só demonstra o ódio e o racismo dos seres humanos. 

As pessoas não tem entendido o pq que Bolsonaro tem tomado um copo de leite durante as lives dele. O que é um claro aceno e cumprimento aos grupos da extrema direita. Eu explico nesse fio! (1/4) pic.twitter.com/uwkRpPkOZl

— David Nemer (@DavidNemer) May 29, 2020

De alt-right para alternative right

O leite, por volta de 2017, foi utilizado como símbolo de pureza e superioridade racial pelo movimento de ultradireira racista nacionalista supremacista branco nos EUA, o chamado alt-right (ou alternative right). Então, muitos acreditam que o chefe do poder executivo tenha imitado esse ritual. 

De acordo com o Wikipedia, esse movimento tem como objetivo defender OS BRANCOS, o sexismo, antissemitismo e conspiracionismo. Em diversas marchas pelo presidente Trump, supremacistas brancos - que se julgam serem superiores que qualquer raça (Olá, Nazismo), os adeptos estavam lá. O movimento também é contra a imigração e a inclusão dos imigrados em território americano.

Durante as marchas, esses nacionalistas brancos bebem leite como forma de chamar a atenção para a genética deles de digerir lactose quando adultos. Contudo, isso é uma inverdade, pois na África também existem grupos com essa capacidade. Um artigo do O Globo mostrou tribos africanas que possuem esse hábito há 10.000 anos. 

Antes do copo de leite

Essa não é a primeira vez que o bolsonarismo se apropria, supostamente, de ações dos alt right. Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli e Abe Weintraub fizeram o uso do efeito shockwave/flashwave em suas fotos. De acordo com esse artigo em inglês, esse efeito artístico prega o ódio e o fascismo.

Facção das redes bolsonaristas

O símbolo do copo de leite já foi apropriado por uma facção bolsonarista, os channers. De acordo com David Nemer, esse grupo, idealizado por Leon Leitadas, já foi banido várias vezes do Twitter por disseminar fake news e ideias nazistas, como é possível ver no gráfico abaixo:

Conceituado como "mamador digital e Terra planista", o perfil dissemina o ódio para todos os lados por meio de memes e gifs, como esse twett abaixo (Essa é a quarta conta do perfil na rede social):

Cristã? Fiel a Deus? Pela família?@CarlaZambelli38 é a puta que te pariu sua hipócrita nojenta pic.twitter.com/yRNxnZmaCx

— Deja El Loen Te Lechar 🥛🇧🇷 4° conta (@Leitadas_L03n) February 15, 2020

David Nemer identificou a conta do Leon Leitadas como responsável pela campanha da Dr. Yamaguchi no Ministério da Saúde. 

Desafio do leite

Outra teoria a respeito da atitude de Jair Bolsonaro (Digo teoria porque existem várias interpretações) é que ela está relacionada ao Desafio do Leite, proposto pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. O próprio Bolsonaro citou na live a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), elogiando a ministra, mas se recusando a dar continuidade a corrente. Assista:

Então, nessa concepção, o que Bolsonaro fez foi participar de uma campanha promovida por produtores de leite no Brasil, incentivando essa produção, embora ela esteja em crise com a pandemia. 

De acordo com o site Canal do Leite, o desafio é gravar um vídeo tomando a bebida láctea, desafiando três pessoas a fazer o mesmo. Leia mais detalhes:

"Com o objetivo de valorizar a atividade leiteira e o consumo deste nobre produto pecuaristas do Brasil e de outros países se uniram nessa campanha em prol do leite, buscando também maiores garantias para o setor e mais valorização do produto e seus derivados na vida das pessoas."

Bolsonaro explicita no vídeo: "um brinde a todos os produtores de leite do Brasil, um brinde a nossa querida Tereza Cristina", demonstrando o motivo do vídeo e colocando por terra afirmações que ele seria neonazista e supremacista branco. 

Tereza Cristina, que desafiou Bolsonaro, tomou um copo de leite, um de iorgute e ainda comeu um pedaço de queijo minas. E disse o seguinte:

“Aceitei com muito prazer o Desafio do Leite. Fui desafiada por produtores rurais, deputados federais e associações do setor. Vamos tomar mais leite, faz bem para a saúde. Esse é um produto que nós precisamos incentivar."

Se Bolsonaro é supremacista branco, porque não acusaram a ministra de o sê-lo também? Há algum ruído nesse discurso, não acha?

E o contrário?


O deputado Eduardo Bolsonaro (filho de Eduardo Bolsonaro) e o blogueiro Allan dos Santos ironizaram o episódio. 

Eduardo Bolsonaro postou uma propaganda da Italac com os atores NEGROS Taís Araújo e Lázaro Ramos tomando um copo de leite. Veja abaixo:

Oiê! pic.twitter.com/GlIbE7Aet1

— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) May 30, 2020

O blogueiro NEGRO Allan dos Santos, por sua vez, tratou a situação na brincadeira ("Entendedores entenderão"). Há muito riso e mensagens "subliminares" (Mas nem tanto). Assista:

Extra 5: "Subliminar" "Entendedores entenderão?" 🤔 pic.twitter.com/0nzunqk4kX

— David Nemer (@DavidNemer) May 29, 2020

Outras polêmicas

Não é a primeira vez que o governo Bolsonaro se envolve em polêmicas desse porte. Quantos se lembram do discurso do ex ministro da cultura Roberto Alvim, que ocasionou em sua demissão? Contudo, há diferenças entre um e outro. O discurso do ex ministro é extremamente nazista, por conta do jeito de falar do ministro, da posição da câmera e do posicionamento de elementos. Acompanhe:

O mesmo não podemos afirmar da atitude de beber leite de Bolsonaro. E por que? Porque trata-se de interpretações. A verdade é o que foi explicado pelo presidente no vídeo. 

Ok! As atitudes de Bolsonaro são execráveis, como os discursos racistas; ele ser contra as cotas raciais; ele referir-se a quilombolas como gado; e dizer que seus filhos não se apaixonariam por uma mulher negra pois "foram muito bem educados". Motivos para acusá-lo de racista e defensor de uma supremacia branca são "aos montes". Mas não podemos generalizar e reduzir seu pensamento à apenas um copo de leite. No mais, é especulação, boato, fatos não comprovados e/ou fundamentados. 

Acusar Bolsonaro de nazismo, nesse caso, é o mesmo que dizer que ele é nazista e adepto de Hitler por tomar água como ele. 

Interpretações

Interpretações. São várias que podemos ter da atitude de Bolsonaro. Seria nazismo? Alt Right? Leon Leitadas? Desafio do Leite? Voto no Desafio do Leite, mas existem pessoas que acreditam ser um dog-whistle, ou seja, uma política com base na técnica de enviar mensagens codificadas ou implícitas para um determinado grupo de eleitores, sem que outros grupos percebam a mensagem. Sinceramente? Por mais que não concorde com o discurso do Bolsonaro e com suas atitudes, muitas vezes preconceituosas, machistas e homofóbicas (Como vistas no tópico "Outras polêmicas"), não acredito que ele teve essa audácia. Acredito que devemos fugir das fake news e de grupos políticos "tão barulhentos e histéricos" por aí. Cada caso é um caso e, nesse caso, Bolsonaro apenas participou de um desafio. J-J


Por: Emerson Garcia