quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Entre Frames #18: Fiscal - MC Queer





Felicidade aqui é mato! Um dos quadros que mais tenho prazer de escrever está de volta, o Entre Frames! Depois de um longo inverno, retorno com o clipe Fiscal, de Mc Queer. Lançado no dia 23 de maio de 2016, o clipe conta com quase 865 mil visualizações, 28 mil curtidas e 1,3 mil descurtidas. O vídeo tem direção de Fernanda Weinfeld, direção de fotografia de Alexandre Elaiuy, direção de arte de Camila Vieira. A coreografia ficou sob a responsabilidade de Davi Chaves. Fiscal conta com grande elenco, entre eles Fefito (youtuber e blogueiro), MC Linn da Quebrada (cantora), Lia Clark (cantora) e o casal do Diva da Depressão, Edu e Felipe.

O clipe é uma dura crítica aos homofóbicos de plantão, por apresentar o universo LGBTQ+ sem filtros, com vocabulário utilizado pelos heterossexuais e homofóbicos. A letra e o clipe são fortes e intensos e não conseguiu agradar a gregos e troianos. Alguns LGBTQ+, por exemplo, odiaram.  

Fiscal é ao mesmo tempo simples e complexo. Os elementos do clipe (iluminação, fotografia e objetos) são simplórios, porém a letra é profunda, pretenciosa, sem pudores e com muitas palavras de baixo calão. Diria até que o clipe é cheio de estereótipos e preconceitos e que, por isso, não agradou a todos. Assista:





Em entrevista, MC Queer disse que a inspiração para o clipe veio de uma notícia de um jovem agredido com lâmpada fluorescente por um grupo de homofóbicos na Avenida Paulista. O ano dessa notícia não encontrei, mas li uma notícia de 2010 bem semelhante ao fato teatralizado pelo clipe. Inclusive os agressores tiveram que pagar uma multa de R$ 25,7 mil à vítima.  

A partir de agora, irei apresentar em tópicos todas as minhas impressões do clipe.


Estética



O clipe tem como cores principais o preto, cinza, grafite, branco e branco fluorescente. As cores aparecem na composição dos cenários e nos uniformes dos fiscais (Eles costumam usar preto, cinza e branco). A utilização dessas cores deixa o clima e a ambientação mais neutros.

Por vários momentos, há uma sobreposição de cores: o preto sobre um fundo acinzentado; e quando a tela é dividida em duas - uma parte cinza e outra preta. O contraste entre elas é predominante. As cores podem aparecer divididas e sobrepostas, sempre na seguinte ordem: cinza-preto-cinza (0:45). 

Em outro momento, esse ar darkness (preto e cinza) sai um pouco de foco, pois é somente a cor branca que predomina nas paredes, grades e chão. O chão, por exemplo, está cheio de lâmpadas quebradas, espatifadas e puídas, com um fiscal com um taco de beisebol logo à frente (1:39-1:42).



Já falei do contraste entre cinza e preto, da predominância do branco, e agora falo de outras composições. Por exemplo, há um contraste interessante quando há uma explosão de pó lilás na tela sob um fundo preto (2:14) e uma explosão de pó lilás sob um fundo branco (2:14). O lilás sob o fundo preto é sinônimo de escuridão e tristeza, sob o branco tem um sentido totalmente oposto (O lilás fica mais leve e amigável).







Fiscais



A maioria dos fiscais e o cantor vestem roupas escuras (preta e cinza) e utilizam bonés pretos com viseiras escuras. O cantor, por sua vez, utiliza um colar com a letra Q, em alusão ao seu nome de artista: MC Queer. A roupa (uniforme) e os objetos utilizados pelos fiscais são para dar ideia de um exército que tem como função vigiar as outras pessoas e as pessoas da comunidade LGBTQ+.



Ao utilizar bonés com viseiras e óculos escuros, os fiscais se escondem atrás desses objetos. Há um momento, porém, que eles tiram o boné com a viseira (óculos) (0:50-0:52). Faço uma analogia a respeito disso: de viseiras, os fiscais se escondem e demonstram poder, assim como superheróis com uma identidade secreta, com suas máscaras e objetos, sendo fortes e invencíveis. Quando os tiram se tornam fracos (1:10). E o que isso significa, Emerson?! Se os homofóbicos estão escondidos demonstram força, ainda mais em grupo. Se tiram o boné e a viseira, são fracos e humanos, como as vítimas que violentam e assassinam.  




Intercalados



Os fiscais costumam aparecer intercalados uns com os outros com roupas claras (cinza e branco) e escuras (preto) (0:13-0:17). O ambiente é bem composto pelos fiscais e pelas lâmpadas que aparecem intercaladas e ao redor dos fiscais. 





Centralismo, alinhamento, verticalismo, transverticalismo, simetria e outras coisas mais



O clipe apresenta, desde o início, equilíbrio e simetria. Percebemos isso quando o cantor e os dançarinos aparecem centralizados no clipe (0:01-0:04), quando o vemos alinhados, como um exército (já falado anteriormente) (0:05-0:30) e dispostos alinhados com as lâmpadas fluorescentes (0:30-0:32). 

Percebe-se que há certo equilíbrio nas cenas. Não há nada fora do lugar. Exemplo disso é quando a imagem fica equilibrada e simétrica com os fiscais (0:47), quando verificamos o cantor simétrico e alinhado (0:54-0:56) ou quando percebemos uma junção interessante de lâmpadas se quebrando com o cantor, e isso com centralismo e uma boa montagem.

Outro frame que é interessante citar é um que apresenta um fiscal centralizado em um retângulo, circunscrito em vários retângulos, alinhados e simétricos. Nesse frame a tela é dividida da seguinte forma: duas partes pretas grandes e duas brancas pequenas. O fiscal "desaparece" no cenário, pois ele está com roupa preta e um taco de beisebol sob um fundo preto (1:28). Visualize o frame logo abaixo:



Mas nem de simetria e centralismo o clipe é composto. Há verticalismo - quando homens são dispostos na vertical nos frames (0:24-0:25) e quando aparecem quatro lâmpadas na transversal (0:33) e foca-se em três lâmpadas e em três fiscais de costas (0:33) - e transversalismo - quando surgem na tela bastões de lâmpadas cruzadas (0:25).








Um ponto que merece ser ressaltado  é a coreografia que é apresentada com passinhos sincronizados e arquitetados, esses misturados com outros frames, o que trouxe um efeito interessante ao clipe (0:05-0:30).


Lâmpadas fluorescentes, tacos de beisebol e pós






Como falado anteriormente, os objetos centrais do clipe são as lâmpadas fluorescentes, que significam, internamente, homofobia, intolerância e violência descabida. Os fiscais, inclusive o próprio cantor, costumam aparecer com tacos de beisebol (0:07). Os tacos, por sua vez, também significam violência, pois são utilizados para quebrar as lâmpadas. Há até mesmo um sentimento de carinho pelo objeto, quando um fiscal beija um taco de beisebol com a logo do MC Queer (0:36). 



Quando as lâmpadas são quebradas (0:43 e 1:42-1:45delas saem pós brancos, púrpuras e rosas. Apesar do caos que se instaura - quando por exemplo um fiscal de tênis branco pisa nos cacos de vidro e a cor do tênis confunde-se com os pós (1:55-1:56) - tais ações proporcionaram uma boa estética e arte ao vídeo em si. Exemplos? Seguem abaixo:

- Um fiscal quebra uma lâmpada. Dessa vez não sai pozinho branco, mas rosa choque (1:42-1:45);



- Um fiscal pega o pó da lâmpada e joga no traseiro (1:54);



- Explosão de pó na tela com os dançarinos e figurantes (2:20-2:27); e



- Explosão de lâmpadas com pós rosas (2:32).


Os pós brancos, púrpuras e rosas deixam o clipe mais belo, esteticamente falando, apesar da mensagem pesada e dura. Não por acaso, as cores púrpuras e rosas estão contidas na bandeira LGBTQ+.

Para finalizar, cito mais alguns trechos interessantes e os explico em seguida:


- Uma lâmpada se espatifa ao som da música (0:49)
Há uma sincronia interessante entre a lâmpada se espatifando e o som da música. O efeito fica mais criativo ao utilizar o slow motion


- um figurante assopra um pó púrpura (2:17)



A cena também contém o efeito de slow motion


- Um figurante faz o gesto de Poncio Pilatos (lavando as mãos) e espalha pó branco pela tela (2:18)



O ato de "lavar as mãos como Poncio Pilatos" significa que muitas vezes a sociedade fica aquém para a homofobia e violência contra a comunidade LGBTQ+. Não é por acaso que esse gesto é realizado. 


- Duas mulheres jogam purpurina rosa em cima de outra mulher (2:33-2:34)


Mais um frame artístico e criativo.



Na escuridão



A iluminação do clipe é meio darkness, apesar das lâmpadas fluorescentes. As roupas dos fiscais (escuras) contribuíram para isso. Há um trecho, em específico, que é possível verificar isso que é quando os fiscais aparecem em contraluz, na escuridão (0:52-0:53).

Fiz uma análise disso: os fiscais do amor ou homofóbicos de plantão insistem ser "iluminados" e "donos da verdade", mas se encontram na escuridão da homofobia, preconceito e ignorância. 


Palavras e gestos alinhados


A letra da música é bem forte e para maiores de 18 anos (Falarei em detalhes logo mais à frente) e o interessante é que em cada trecho cantado há um gesto condizente, assim como cada parte cantada uma coreografia. Separei alguns desses trechos logo abaixo e os gestões que são apresentados:

- Quando se canta "... pra poder dar o próprio cu", o cantor aparece de costas, mostrando o bumbum (0:56)




- Quando o cantor entoa "...e reza" ele faz um sinal com a mão (1:12)




- Na parte "... que tu gosta de fio terra" o cantor faz uma espécie de sarrada (1:25)




- Quando se canta "ou enche ela logo de leite" aparece o cantor 'melando' o lado da boca com uma tinta branca (1:33)





- O cantor faz um gesto obsceno na parte "... e chupa rola" (2:04)





Esse alinhamento também é verificado quando a música tem um som de tremor e a câmera e os dançarinos tremem também (1:26).


"O fervo também é luta"


Um trecho que é cantado por diversas vezes é esse acima. A primeira vez que o ouvi acreditava que FERVO seria FREVO, FESTA, mas estava totalmente enganado. De acordo com o colaborador do blog, Thiago Nascimento, o fervo é um movimento da época que significa militância com batida, empoderamento e busca pela subversão do medo. De acordo com o Dicionário Informal fervo é:

"Agito, azaração. Local de encontro das pessoas para fazer uma festa."


Há um trecho icônico que é quando o cantor fala "o fervo também é luta" no mesmo instante que aparece um lábio cinza brilhante falando a frase (0:20-0:21). 

Militar sobre o movimento LGBTQ+ não é tarefa fácil, e o MC Queer faz isso com crítica e sem papas na língua. Tanto a música como o clipe são subversivos e incomodaram muita gente, tanto LGBTQ+ como não.


Uma blusa militante e pessoas LGBTQ+



Aos 1:57 Fefito aparece no vídeo com uma blusa escrito Laerte, Caitlyn Jenner e Roberta Close. O detalhe é que todas as celebridades estampadas são TRANSEXUAIS

Durante toda a exibição do vídeo aparecem pessoas LGBTQ+, sejam lésbicas, gays ou transexuais (2:45). Não consegui identificar todas, mas foi demais o MC Queer dar esse espaço para elas.



Detalhes quentes


O clipe, de forma geral, é sensual e, por que não dizer, sexual?! Além das palavras e gestos listados em um tópico anterior, aparecem outros detalhes bem quentes, como:


-  Um lábio com a língua passando pelo lábio (sensualidade) (2:46-2:47)




- Um casal gay em cena quente. Um deles passa purpurina na costa do outro (2:50-2:51)




Ao final



Em um dos últimos frames MC Queer se desmonta, ou seja, tira o boné e a viseira (demonstrando sua humanidade) e entoa a seguinte frase: "E aí, firmeza?" (2:56-3:00). Essa frase é característica de São Paulo e demonstra um jeito paulistano de falar. Não por acaso, MC Queer é paulista e a situação teatralizada ocorreu na Avenida Paulista. 



Já o frame final foca na logo do MC Queer, um Q estilizado (3:00-3:06).



Letra


Como já falado anteriormente a letra é forte e é uma crítica aos homofóbicos e um ode à comunidade LGBTQ+. Resolvi destacar alguns trechos com minhas considerações:

"passa na calçada espalhando o terror 
solta a mão, segura firme, chegou o fiscal de amor"

O fiscal do amor a qual o cantor faz menção são os homofóbicos e disseminadores da violência contra a comunidade LGBTQ+. 


"todo mundo tá ligado, quer dar ré e vai de segunda 
quebra lâmpada na cara pra não enfiar na bunda"

Aqui há uma clara referência ao episódio de intolerância na Avenida Paulista. O trecho também mostra que os homofóbicos são enrustidos e tem um lado gay. 



"quero muita atenção no que eu vou falar pra tu
tem que ser macho pra caralho
pra poder dar o próprio cu"

Esse trecho foi bastante controverso, machista e preconceituoso. Na verdade, homossexual algum quer ser chamado de macho, pois isso é perjorativo e bastante estereotipado. Na verdade, o MC Queer quis inserir uma dose de ironia e crítica no trecho. 



"vê se me ama ou vê se me erra
fala pra tua mina que tu gosta de fio-terra"

Um trecho que desafio os heterossexuais e homofóbicos de plantão. O fato de gostar de fio-terra não faz uma pessoa mais ou menos homem. Aliás, há registros de heterossexuais que são adeptos que suas namoradas realizem tal ação por ser extremamente prazeroso.



"to bem de saco cheio, então tu me respeite 
ou cala tua boca ou enche logo ela de leite"

Aqui é o estopim da crítica de MC Queer aos homofóbicos. 



Objetivo do clipe



Ele nada mais é que mostrar que os homofóbicos podem ser enrustidos. O cantor faz isso utilizando o próprio vocabulário dos heterossexuais sobre os homossexuais. Por exemplo: leite, dar ré e vai de segunda, enfiar na bunda e ser macho para caralho. É preciso deixar claro que esses estereótipos não são da classe LGBTQ+, mas da hétero. Com isso, o cantor quer lutar e cantar contra até o fim, assumindo-se abertamente gay e subvertendo todo e qualquer discurso homofóbico. Veja o que ele disse (com grifos):

"O clipe tem presença de absolutamente todas as letrinhas do nosso arco-íris. Todo o discurso da música foi construída em cima da linguagem do próprio opressor. Eu e muitos personagens nos assumimos orgulhosamente viados e diversos outros adjetivos similares justamente para subverter o discurso homofóbico." 



Música

Fiscal foi a primeira música que MC Queer escreveu, sendo um desafio honesto e a mais "pesada" do disco no que diz respeito à letra. A música, propriamente dita, é um funk LGBTQ+ com uma batida boa de dançar e ouvir. Há vários barulhinhos de batucada e uma pegada eletrônica.


Esse foi o Entre Frames de hoje. Curtiu? "O fervo também é luta!". J-J














Por: Emerson Garcia

19 comentários :

  1. Não é muito o meu estilo musical mas ótima postagem

    https://itslizzie.space/

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  2. Oi JJ
    Isto que você faz com os videoclips descodificando todos os significados se parece com o meu ponto cruz kkkkk
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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  3. Interessante o seu codificamento ao contrário, adorei. Abraço!

    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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  4. Amei o post. Uma análise super completa e eu nem tinha reparado em tudo quando vi o clipe da primeira vez.
    Beijos
    http://www.dearlytay.com.br

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    Respostas
    1. O quadro está aqui pra analisar todos os frames que passam desapercebidos.

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  5. Que bacana essa análise! Eu nem conhecia esse clipe, mas gostei de vê-lo detalhadamente.

    https://www.biigthais.com/

    Beijoos ;*

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  6. Post mega completo e mto bem elaborado.
    Não é o tipo de músico de que gosto, mas tenho que reconhecer valor ao vídeo em questão.

    Abraços.

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  7. EU ACREDITO QUE MUITO HOMOFÓBICO PODE DER ENRUSTIDO. FIQUEI IMPRESSIONADA COM A RIQUEZA DE DETALHES SOBRE O VÍDEO,EMERSON.

    ESTOU COM CHICUNGUNHA COM DORES EM TODAS AS ARTICULAÇÕES,PRINCIPALMENTE A DOS DEDOS.
    SÓ ESTOU RETRIBUINDO VISITAS.

    MAS EU BLOG NÃO PAROU.

    PROGRAMO OS POSTS QUE SÃO PUBLICADOS DE 1 A 3 POSTS POR SEMANA.

    OBRIGADA PELA VISITA,VOLTE SEMPRE

    BEIJOS SABOR CARINHO E UMA NOITE DE QUARTA_FEIRA DE PAZ

    DONETZKA

    Blog Magia de Donetzka


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  8. Super interessante, detalhista, chega à perfeição esta sua postagem ... Parabéns Emerson.

    Não conhecia o clip nem o artista ... muito bom.

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  9. Oie Emerson!
    EU não curto mt esses estilo, mas é uma forma de cultura e também denúncia, que legal!
    Beijocas da Pâm
    Blog Interrupted Dreamer


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