Quinta de série: 3 tonelada$ - Assalto ao banco central

Pode conter spoilers!

No Quinta de série de hoje falo da minissérie documental 3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central, produzida e disponibilizada pela Netflix. Lançada em 16 de março de 2022, ela teve o intuito de investigar um dos maiores roubos à bancos do Brasil. Em agosto de 2005, por meio de um túnel com quase 80 metros de comprimento, ladrões invadiram o cofre do Banco Central do Brasil em Fortaleza, levando mais de 160 milhões de reais, ou cerca de 3,5 toneladas de dinheiro vivo (Daí o nome da produção ser 3 tonelada$). Com faixa etária de 14 anos, cada episódio teve em média 1 hora de duração.  

A Netflix criou uma super documentário, que lembra muito uma produção cinematográfica. Esse assalto realmente foi como um filme, sendo considerado um dos mais emblemáticos e estratégicos da história criminal mundial. A história já virou filme, e agora série de TV, após 15 anos da data do crime. A minissérie faz um trajeto processual dos passos dos criminosos. A adaptação é por conta do documentarista Daniel Billion, que faz um trabalho fenomenal, capaz de prender a atenção do público. 

A pesquisa foi feita de forma minuciosa, com muita coleta de materiais históricos e cronologia bem elaborada, com um aspecto visual de primeira. A produção consegue nos ambientar para um profundo túnel do tempo, em que ladrões ardilosos e habilidosos conseguiram cavar um buraco estreito para entrar no cofre do banco. É algo bem La casa de papel.  

Houve a coleta de um grupo de entrevistados, como a inclusão de membros da Polícia Civil e Federal, personalidades do setor jurídico que viveram a situação in loco e os relatos de um dos ladrões líderes do assalto. É um depoimento surpreendente, em que ele, com o rosto encoberto ajuda os telespectadores entenderem a dimensão do crime. Ele ainda faz uma reflexão sobre o crime compensar ou não. 

O primeiro episódio, O crime, conta todos os detalhes do roubo e o início das investigações das autoridades sobre o roubo fenomenal. Em A caçada os investigadores vão até Boa Viagem, no Nordeste do Brasil, após a caça aos culpados. As investigações levam a descoberta de outro evento interligado, gerando uma aproximação de um dos mentores do crime. Dinheiro Maldito trata do resultado do dinheiro do assalto, que é como se fosse uma maldição. Os ladrões envolvidos no crime ao banco viraram alvo de sequestro e extorsão por parte de policiais corruptos e morreram de formas suspeitas.    

É uma superprodução com intuito de contar uma história grandiosa e alavancar a audiência. Simulações e encenações foram feitas para dar um ar mais interessante, utilizando um artifício artístico-visual como entretenimento e orientação. Só para ter ideia o túnel do crime foi reconstruído para o documentário. A reconstrução da passagem subterrânea ocorreu em um galpão em Embu das Artes, em São Paulo (SP). As dimensões são as mesmas, assim como os objetos encontrados pelos peritos lá dentro, como ventiladores, tubulações de ar refrigerado, lâmpadas, garrafas de água e de isotônico, cordas, entre outros. Para isso, foram utilizadas fotos da perícia cedidas pela Polícia Federal, além de depoimentos. 

O túnel tinha uma estrutura em madeira, de três metros de altura por oito metros de extensão, com revestimento de terra batida e argila, para ter o aspecto ao de um buraco embaixo da terra. Acima, a três metros do chão, reconstruíram parte da sala da empresa de fachada em Fortaleza, com piso de taco, assim como a original.

Até mesmo as notas de 50 reais da época foram reproduzidas, de acordo com o modelo antigo. Muitas foram sujadas com terra, pois ao serem retiradas do túnel, os ladrões perderam algumas em sua extensão.    

Como em nenhuma produção anterior, 3 tonelada$ explora de forma profunda e complexa esse crime, com enfoques nunca antes vistos numa reportagem jornalística. Eles conseguiram que a minissérie documental fosse um deleite visual e de entretenimento, para os consumistas de conteúdo investigativo, seja ficcional ou documental. A abrangência também está na análise reflexiva e histórica sobre a conexão entre o crime os ataques do PCC em maio de 2006 - ano marcado pela violência organizada.  Enfim, o caso criminoso foi o precursor de uma série de outros problemas no Brasil, como sequestros, assassinatos, agentes infiltrados e compras suspeitas em dinheiro vivo. 

O crime é cheio de detalhes, mas nem todos compuseram o documentário. Acredita-se que 25 criminosos estiveram envolvidos no assalto, embora apenas oito tenham sido presos. Entre as curiosidades e detalhes, estão:

- Abertura de uma empresa de grama sintética de fachada pelos bandidos, que usavam pá de jardineiro para escavar; 

- O túnel possuía um sistema de ventilação, iluminação e linha para interfone (para a comunicação). Cerca de 900 tábuas de madeira foram usadas em sua construção; 

- A identidade falsa do dono da empresa, Paulo Sérgio, trazia como data de nascimento 05/08/1968, exatamente o mesmo dia e mês em que a quadrilha efetuou o roubo; 

- Como forma de dar veracidade ao negócio, Paulo Sérgio distribuiu bonés estampados com o nome da firma falsa; e 

- Somente após dois dias, o crime foi descoberto. A polícia encontrou um simples buraco, sem imaginar que era a saída de um túnel de 75 metros. O policial Enéas Sobreira decidiu entrar no buraco e rastejou por uma hora até o fim do túnel.

Eis alguns números do assalto:

- 11 horas de assalto;

- 164,5 milhões de reais roubados – 3,5 toneladas de cédulas de 50 reais não rastreáveis;

- 5 anos de investigação e mais de 200 policiais federais de diversos estados estiveram envolvidos na operação ao longo dos anos;

- Mais de 160 pessoas envolvidas em lavagem de dinheiro nos anos posteriores ao furto;

- Ao todo, 129 pessoas foram indiciadas no processo por envolvimento direto no furto ou por lavagem de dinheiro e cerca de 500 testemunhas foram ouvidas; e

- Nas condenações em 1ª instância, as penas somadas chegaram a 2.452 anos de prisão.

Números da produção:

- Foram ao todo 3 meses de pesquisa;

- 2 meses de negociação para que um dos líderes do bando concordasse em dar depoimento inédito sobre o caso;

- 6 meses de produção;

- 4 meses de pós-produção;

- Mais de 30 pessoas entrevistadas;

- 95 horas de material captado (75 delas na parte documental e 20 horas de reencenações); e

- 106 figurantes usados nas reencenações.

É uma produção marcante e envolvente, com fundo histórico e informacional. Ela conta com uma trilha sonora intuitiva e sorrateira, com uma narrativa bem elaborada. 

O documentário, na época que foi lançado, alcançou o primeiro lugar no Top 10 de séries, ganhando destaque no streaming. Ele foi dirigido por Rodrigo Astiz, roteirizado por Daniel Billio e produzido pela Mixer Films. A estreia faz parte do projeto Mais Brasil na tela, que traz conteúdos nacionais inéditos para a plataforma. J-J

   

Por: Emerson Garcia