Na última sexta-feira (17) a cantora Cassiane lançou o videoclipe da música A voz e causou controvérsias entre os internautas. O clipe conta com 842.075 visualizações, 17 mil curtidas e 103 mil descurtidas. O motivo para tantas avaliações negativas deve-se por conta do enredo e da história e como eles são desenvolvidos.
O clipe conta a história de uma mulher que sofre violência doméstica por um marido alcólatra e agressivo. Ela, então, decide abandoná-lo, mas escreve um bilhete dizendo que o perdoa. Assista:
Percebeu que no final aparecem todos felizes? Não houve denúncia, não houve afastamento do agressor com relação à vítima. Há, sim, o número do disque denúncia ao final e a frase: "Violência contra a mulher é crime - Disque 180". Apesar de trazer um tema forte, há uma romantização e amenização das atitudes do agressor.
O post de hoje será sobre esse videoclipe, bastante criticado e sendo um desserviço para toda a população. Também falarei sobre os números crescentes de feminicídio no Brasil, das reações ao clipe de Cassiane, o posicionamento da cantora frente às críticas e da nova versão de A voz que saiu ontem (20) à meia-noite.
A romantização
O clipe tem como núcleo central um casal, em que a mulher é extremamente agredida por seu marido. Ele é violento, viciado em bebidas alcoólicas e rouba dinheiro de sua esposa para suprir suas necessidades. A esposa, não aguentando mais a violência, resolve sair de casa. Ela não liga para o 180 e nem denuncia o esposo. Ela escreve uma carta e deixa o lar. A carta diz o seguinte:
“Reconheça a voz de Deus. Deixa ela estremecer o seu coração. O timbre santo do Senhor há de te curar, pois Ele é a voz que restaura a vida. Oro por você. Perdoo você.”
A esposa, no meu entender, dá uma nova chance ao esposo, esquecendo a agressão e passando uma borracha nos erros do marido. Atitude bonita né?! Mas acredito que mesmo a esposa o perdoando ela deveria denunciá-lo. A cantora Cassiane, portanto, faz uma analogia a crença do arrependimento e do perdão, romantizando o fato.
Mesmo que o marido tivesse se arrependido e tido um encontro com o divino por meio da Bíblia, o clipe é um desserviço, ao não levar em conta os maridos que se arrependem e voltam a bater em suas esposas, chegando até em matá-las; e também minimizando a Lei Maria da Penha e as denúncias ao 180. É tudo bonito e a situação termina muito bem, mas Cassiane e os produtores do vídeo se esqueceram que muitas esposas continuam sendo agredidas por não denunciarem seus companheiros e muitas acabam até mortas.
Se eu não acredito que as pessoas podem mudar? É óbvio que acredito. Mas, como cristão, sou a favor das pessoas pagarem pelos seus erros mesmo que sejam perdoadas. O marido deveria ser punido de alguma forma, como manter-se à uma certa distância da esposa, ser proibido de visitá-la ou até mesmo realizar um serviço social como forma de punição. O momento de arrependimento poderia ocorrer nesse período e, assim, a esposa o perdoaria.
O problema é que as situações não são facéis de serem resolvidas como apontado no clipe. As marcas físicas, emocionais e psíquicas não vão embora de uma hora para outra; o esposo não se liberta da bebida e do roubo facilmente; e o perdão tanto pode, como não pode, ser liberado. O "passar a borracha" na ficção é simples e nem um pouco doloroso, mas na vida real, meu amigo, as coisas são muito diferentes.
Números do feminicídio no Brasil
O clipe parece não levar em consideração que os números de violência doméstica e feminicídio crescem de forma constante a cada ano. Tudo bem que há uma tentativa de tratar do assunto com seriedade. O olho roxo da esposa e suas marcas corporais são visíveis, mas o assunto é atenuado pela forma como é tratado.
Dados do Forúm Brasileiro de Segurança Pública divulgados no Universa UOL mostram essa realidade: houve um aumento de 22% nos registros de casos de feminicídio no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus. Os dados são referentes à março e abril e foram comparados com o mesmo período do ano anterior. O número pulou de 117, em 2019, para 143 neste ano.
É esse o teor sério que esperava que o clipe tivesse: o de que há mulheres que vão à óbito antes mesmo de oferecer o perdão ao companheiro. O clipe, desse modo, é totalmente irresponsável, tratando do assunto - tão perigoso - de uma forma romântica, com final feliz e sem dolo para nenhum dos lados, como já explanado no tópico anterior.
Reações
Elas foram as mais negativas possíveis. Resolvi destacar quatro reações:
“O cara esmurrou a mulher várias vezes. Aí se converteu, e sai impune?”
“Para ficar melhor, só faltou a parte em que ele é preso e ela tem uma medida protetiva contra ele. A violência doméstica contra a mulher mata, não pode ser silenciada ou romantizada. Não seja cúmplice disso.”
'Sou cristã e penso o seguinte: se a mulher sofre agressão ela DEVE denunciar, pois sua vida corre perigo. Ela pode até mesmo perdoar no sentido de não guardar mágoas (como alguém que denuncia um roubo, no entanto não necessariamente guarda ódio do ladrão), mas se calar diante de violência doméstica nunca. Eu acredito que Deus não quer ver suas filhas filhas sofrendo nas mãos de homens abusivos e violentos, e Ele pode sim mudar a vida das pessoas, o comportamento, porém as pessoas têm que querer. Então se uma mulher ora por um marido que não quer mudar, infelizmente ele não vai mudar.
Não é errado que uma mulher procure pelos seus direitos e denuncie. Não é pecado, não é feio, é JUSTO. Deus não quer suas filhas sofrendo assim." - Coisas da Nice
"Acredito que Cristo transforma sim, mas todos tem que sofrer as consequências de suas atitudes.
E daqui que ele fosse transformado mudado pelo espírito é chão... Muita oração, bíblia, mudança de carácter, erros, acertos... Não é só um sorrisinho não." - Cheyla Silva
Corroboro com todas as reações.
Posição da gravadora e da Cassiane
Tanto a gravadora, quanto a cantora Cassiane se pronunciaram sobre a repercussão negativa do clipe. A MK Music afirmou estar editando e gravando uma nova versão do vídeo (Tópico abaixo). Ela alegou que o roteiro original do clipe não teve interferência de Cassiane. Acompanhe (com grifos):
"Mas, se não foi compreendida por alguns... Com muito amor, responsabilidade, humildade, e para que esta mensagem poderosa alcance e inspire muitas vidas, sem nenhum ruído. Muito em breve vocês poderão assistir a nova versão."
Para mim, a gravadora não tratou a questão com a seriedade que deveria tratar. Ela preocupou-se mais com o sucesso que o clipe poderia fazer.
Já Cassiane, em postagem no Instagram, disse ser contra a violência doméstica e a favor de denunciar. Veja o post:
Cassiane se defendeu das críticas de haters, dizendo que tem uma história longa musical e que as pessoas deveriam falar de forma carinhosa e sensata. Ela dá a entender que foi um erro de edição, uma falha, e não de forma proposital. Ela disse o seguinte:
“Porém, na mesma hora falei com a gravadora, e a MK prontamente entendeu que houve uma falha ao aprovar sem essa informação (de denunciar) tão importante (...) Sou humilde e aceito que houve uma falha, um erro em não expor sobre a denúncia explicitamente.”
Segundo ela, a mensagem de denúncia estava implícita, e tanto ela, quanto a gravadora incentivam a denúncia.
Nova versão
A nova versão mostra a esposa ligando para a polícia e um policial prendendo o marido. Veja:
Poucas cenas foram adicionadas, mas que mudaram toda a história. Acredito que as cenas foram gravadas antes, mas na edição foram deletadas. A mensagem, porém, foi apresentada de forma romântica (Não que com a nova versão ela também seja).
Algo grave que acho é que ambas as versões estão disponíveis no perfil da MK Music até o momento de redação desse post. Seria mais sensato, deletarem a versão antiga e deixarem a nova. O que não aconteceu. Ter os dois vídeos provoca certo ruído e levanta questões dúbias, como: Qual é o posicionamento real da MK Music? E da Cassiane? A MK Music e a Cassiane romantizam, ou não, a violência doméstica?
Cassiane romantizou a violência doméstica em clipe?
Cassiane escolheu a pior forma para contar um fato sobre violência doméstica. Esse é um assunto sério, grande e complexo e não deveria ser tratado da forma que foi. Não é por meio de uma conversão religiosa ou de um louvor que o assunto deixará de ser um problema.
O vídeo não tem nada a ver com a letra. Esta é agradável, falando de conversão, arrependimento e restauração de vidas. Já o vídeo romantiza a violência doméstica, tirando a seriedade do tema. Por que não foi explorado a letra, com uma temática condizente, ao ínves de tratar desse tema, que é polêmico por si só?
E você, o que achou do clipe de A voz, de Cassiane? Ela romantizou a violência doméstica? Vamos conversar sobre o tema nos comentários. J-J
Por: Emerson Garcia
Ainda não havia visto o clipe, mas isso é extremamente grave. Romantizar um assunto assim afeta milhares de vítimas.
ResponderExcluirAbraço
Imersão Literária
Oii, como vai?
ResponderExcluirBom, eu não sou uma pessoa religiosa então não costumo assistir a esse tipo de videoclipe mas acho que romantizar algo que traz uma dor tão forte para tantas famílias é algo bem grave, até porque a religião tem e sempre teve muita influência nas pessoas.
Abraço! ♥
Larissa - Blog: Parágrafo Cult
Grato por seu comentário, Larissa. Já diria Karl Max que a religião, não em sua totalidade, é o ópio do povo.
ExcluirMais uma publicação fantástica que elogio. Denunciar a violência doméstica nunca será demais.
ResponderExcluir.
Abraço
Cumprimentos poéticos
Violência doméstica em Portugal é um drama e, é verdade que muitas mulheres perdoam seus agressores, agora é crime publico!!
ResponderExcluirxoxo
marisasclosetblog.com
Quanto maior for a polémica, mais visualizações terá, logo mais sucesso.
ResponderExcluirSerá?
Pode ser, Magui. Complemento dizendo que terá maior número de likes também.
ExcluirNão cheguei a ver o clip, mas acho temerário as pessoas... digamos... banalizarem a violência doméstica. Outra coisa: não posso dizer que seja o caso, pois não conheço a cantora suficientemente, porém, nos últimos anos, os autointitulados 'evangélicos' fizeram com que eu passasse a antipatizar esse termo, tantas têm sido as contradições e absurdos cometidos por eles. Eu me considero presbiteriana, mas se a religião que eu professo fosse confusa, equivocada e truclenta, como parece ser a desse povo... eu já a teria mandado às favas há muito tempo.
ResponderExcluirNinguém merece estar em uma religião que não se sente bem, não é mesmo? Contudo, não devemos generalizar e dizer que todos os evangélicos são assim ou agem dessa forma.
ExcluirRomantizar esse tipo de situação não é correto. Abraço!
ResponderExcluirhttps://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/
Sendo cristã ou não, toda mulher deve denunciar a agressão física. Acho que ela podia escolher um tema melhor do que esse para a música.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirSua análise foi de importância tremenda. Eu ainda não conhecia o clipe nem a cantora, mas assisti e realmente é algo completamente errado de se colocar na internet. Há sim pessoas que muda, afinal, ninguém é perfeito; agora colocar como se o fato da pessoa ser cristã fizesse com que ela pudesse sair impune de uma situação tão horrível como essa é errada demais. Você pode sim perdoar uma pessoa, mas ela merece pagar pelo crime que cometeu.
Fico imaginando como as mulheres que já sofreram esse tipo de agressão devem ter se sentido vendo esse vídeo. É realmente triste.
Beijão!
Lumusiando
Falou tudo, Maria Eduarda. Deus é um Deus perdoador, mas, sobretudo, justo. Se não existe justiça terrena, a celestial não falha. Essa é a minha esperança.
ExcluirPara mim nem devia ser gravada, em tempos que a violência doméstica só aumenta e a mulher sempre sofre, isso nem deveria ter sido feito.
ResponderExcluirBeijos
www.pimentadeacucar.com
É um assunto que levanta muitas questoes.
ResponderExcluirEu vou assistir o clipe para ver oq acho.
Passa lá no blog que tem postagem nova e quero muito saber sua opinião.
Bjus!😘
Paloma Viricio 🍃
Realmente é um assunto polêmico.
ExcluirPasso sim, Paloma. Grato pelo convite.
Um assunto sempre polémico... mas que de facto me parece ter sido relativizado e romantizado no video... quem dera que os culpados, se arrependessem... mas a grande maioria... mesmo quando presos... voltam de novo, com todo o empenho para se vingar das vitimas...
ResponderExcluirA violência doméstica, também é um assunto que anda sempre na ordem do dia, por estes lados... além de que aumentou de novo, após o fim da quarentena...
Excelente e detalhada postagem, como sempre!
Um grande abraço!
Ana
As mulheres são as que mais sofrem com a violência doméstica. É fato que os números aumentaram com a pandemia.
ExcluirObrigado, Ana.
Acho que nem deveria ter gravado um clipe assim
ResponderExcluirhttps://itslizzie.space/
Eu acho totalmente errado essa romantização, mesmo que 'indiretamente'. A igreja tem um peso muito grande nas decisões dos seus fieis, e acho que na versão antiga abria muita brecha para que quem visse acabasse normalizando a situação e reproduzindo na vida real.
ResponderExcluirbeijos
http://www.dearlytay.com.br/
Exatamente isso que ocorreu, Tayane.
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