sábado, 25 de fevereiro de 2017

De seminua (nua) à vestida: A vinheta "Globeleza 2017" e o que tudo isso implica




"Vem pra ser feliz
Eu tô no ar com o Globeleza
Eu tô, que tô legal.

Na tela da tv no meio desse povo,
A gente vai se ver na Globo. (2X)"


Você com certeza já deve ter ouvido esses versos alguma vez. Ele é cantado e encenado na TV Globo há mais de 15 anos. A vinheta é uma criação do designer Hans Donner (que também criou aberturas com mulheres como das novelas Tieta (1989), Pedra sobre Pedra (1992); e com homens, como O Clone (2002)) e a letra de "Samba da Globo" é de Jorge Aragão e Franco Lattari, cantada por Quinho. Conheça mais dessa origem (com grifos):

“A Globo faz escola no Carnaval deita e rola”, anunciava a primeira vinheta de carnaval que a modelo Valéria Valenssa protagonizou, em 1990 [...] a chamada ganhou o nome de Globeleza no ano seguinte, quando foi apresentada a música Samba da Globo [...] Em 1993, Valéria apareceu sozinha na vinheta e recebeu o título de Globeleza", Memória Globo sobre o Globeleza. 


De 1990 - quando foi ao ar a primeira vinheta de carnaval - até 2016, a propaganda trazia uma mulher de pele negra (com exceção da de 2016 de tom mais claro) que estava nua, apenas com o corpo pintado com tinta e glitterA Globeleza mais conhecida é Valéria Valenssa - que já sambou com diversas artes com tinta (inclui indígena, tecnológica e com detalhes metalizados) e até mesmo grávida em 2003 - mas tem outras modelos: Gianne Carvalho, Aline Prado, Nayara Justino e Erika Moura (Leia mais sobre no Memória Globo).

Foi nesse ano (2017) que a Globo decidiu inovar a vinheta do Globeleza. A atual globeleza aparece vestida e não mais sozinha. Assista:






Que paradigmas a Globo pretende mudar com essa vinheta? Que aspectos de nossa cultura ela abraça? 


Paradigmas

Ficou claro para mim que a Globo não quer centrar mais o carnaval em torno de apenas uma pessoa (Aqui lê-se uma mulher com belas curvas e com um corpo exuberante), mas quer ampliar sua visão de mundo e a ideia de que carnaval não é só peito, bunda e mulheres sambando. O intuito é mudar o estereótipo de mulher brasileira. Para isso, decide-se vestir a mulher na propaganda e colocá-la lado a lado com outros protagonistas do carnaval brasileiro, tão importantes como ela.

Se isso é um avanço? Eu não sei. Diria que é uma mudança de paradigma. O que observamos (até pouco tempo) é a exposição do corpo feminino em anúncios de cerveja, propagandas de automóvel e traseiros femininos em outdoors nas estradas. Se é pra anunciar uma cerveja, tem que anunciar a "boazuda"; se é pra fazer com que homens comprem carros, coloca-se uma mulher com a bunda empinada encima dele; se é pra vender carnaval, mostra-se o traseiro e o bico do peito das modelos e por aí vai. A socióloga Rosa Schwartz, em entrevista para a UOL, disse que a nudez feminina não é proibida em nenhum veículo, mas quando é usada para fins comerciais, transforma a mulher em objeto sexual:

"Você pode fazer o que quiser com o seu corpo, mas quando a mídia usa a nudez de uma mulher está reforçando o machismo e o sexismo".


Eu não sei se a mídia reforça o machismo e o sexismo. O que eu creio é que ela reforça estereótipos e impõe paradigmas, do tipo: "carnaval é só peito e bunda" "carnaval tem que ter mulher gostosa". Dizer que a atitude é "machista" e "sexista" seria extremo demais da minha parte.

Tal paradigma também pode ser visto em outras emissoras, como a Band e a antiga TV Manchete. O colaborador Layon Yonaller quem traz essa informação (com grifos):

"Tanto a Bandeirantes (ou Band) quanto a extinta Manchete tiveram suas musas seminuas em vinhetas de carnaval. A da Band foi neste esquema até assumir uma nova diretriz em fazer a cobertura do carnaval de Salvador na década de 2000. A Rede Manchete herdou sua cobertura em carnaval da revista Manchete - especializada em fazer belíssimas coberturas carnavalescas".


Em 1995, a Manchete trouxe uma modelo que seguia os moldes das globelezas da Globo: corpo bem torneado e até mesmo glitter e tinta no corpo (Criatividade mandou abraços). Por sua vez, em 1999, a Band trazia um ícone da época em trajes íntimos e com toda sensualidade: a Tiazinha, a musa inspiradora de muitos adolescentes. A atitude das emissoras não era de machismo, mas de apenas ressaltar estereótipos e modelos de paradigmas. Veja as vinhetas:










E as vinhetas e aberturas com boys?

Esse discurso da socióloga de falar que é "machista" e "sexista" as antigas vinhetas da Globeleza é algo difícil de lidar (Não. Não quero polemizar essa história de machismo e feminismo, como a Fany fez recentemente), uma vez que trabalha com dois pesos, duas medidas. 

Na TV, quando há uma exposição do corpo feminino, vem os dedinhos levantados e a seguinte fala: "Olha! Isso é uma falta de respeito! Fere meu pudor!". Mas, quando homens aparecem nus ou seminus em aberturas e vinhetas não existe isso. Que manifestação a socióloga fez, por exemplo, quando a Globo veiculou a abertura das Olimpíadas de 1992 e 1996? Ou quando ela exibiu a abertura de O Clone - realizada pelas mãos e o olhar incrível de Hans Donner - em que trazia um homem nu em pêlo em pleno horário nobre? 










Quer dizer que não existe problema em exibir músculos, coxas, abdômens e outras partes do corpo masculino em rede nacional, mas sim o corpo feminino? Quando exibe-se o corpo masculino fala-se: "É arte. Inovação. É vanguardismo". Já sobre o corpo feminino se diz: "É violência. Estupro. Violação dos direitos femininos". Ambas os retratos (corpo feminino e masculino) fazem parte de paradigmas criados, então por que diferenciá-los?

Mesmo assim, tanto na TV, como no cinema e séries, é aceitável aparecer peitos femininos ali, bundas femininas aqui, e quando possível (Só lembrar de Game of Thrones) nudez frontal feminina, mesmo que isso gere polêmica. Mas existe um tabu em não mostrar a nudez masculina, principalmente a frontal (As aberturas e vinhetas da Globo eu não observo isso, mas nas séries e minisséries da emissora, filmes e séries no geral, sim). Esse é mais um paradigma criado pelos atores da indústria cultural: nudez feminina dá dinheiro, audiência e polêmica, a masculina, não. 


Abertura de Brega & Chique


Aliás, minto um pouco. A nudez masculina já foi motivo de polêmica na TV, sim, com a abertura da novela Brega & Chique - criada (por coincidência também) por Hans Donner. O cartão de visitas da novela trazia o modelo Vinícius Manne com a bunda à mostra, ao som de "Pelado, pelado Nu com a mão no bolso". Isso foi motivo de censura, de acordo o Memória Globo (com grifos):

"Inicialmente, a Censura Federal exigiu que a nudez fosse coberta com uma folha de parreira. No segundo dia de exibição da novela, a folha estava lá, escondendo o traseiro do modelo. Mesmo assim, a Censura não achou suficiente e exigiu que o tamanho da folha fosse aumentado. Após negociações, a versão original foi liberada e voltou a ser exibida como no primeiro capítulo, embalada pelo refrão “pelado, pelado, nu com a mão no bolso”". 



Confira a abertura sem censura:





Confira a com censura:







Fez-se alarde com a abertura de Brega & Chique no passado, e hoje em dia, tem-se feito com mulheres que estão bem mais vestidas (com tinta e outros acessórios).



Sobre o novo paradigma



A Globo, com a vinheta de 2017, celebra um novo paradigma mais amplo que engloba os vários ritmos brasileiros do carnaval, não só o samba. É uma oportunidade de diversidade e de mostrar o que o Brasil tem de melhor. Veja o que o Memória Globo diz (com grifos):

"A vinheta do Carnaval Globeleza 2017 é uma celebração de vários ritmos. Frevo, maracatu, axé, bumba meu boi e a festa tradicional da Avenida estão representados. Cinco dançarinos acompanham a musa Globeleza, Erika Moura, na coreografia de Wilson Aguiar, que passeia pelos gêneros tradicionais de diferentes regiões do Brasil. Os figurinos são de Rita Comparato."


A jornalista Rafiza Varão acredita que esse novo paradigma encaixa-se perfeitamente na necessidade atual da indústria cultural:

"Sobre a nova vinheta de carnaval da Rede Globo: é preciso subjugar os discursos para enquadrá-los diante das novas lógicas de consumo."


Mas, mesmo com esse fundo capitalista, a Globo entendeu que é preciso abrir espaço para a variedade da identidade brasileira, para outros estereótipos de gênero e de raça. Ou seja, a emissora acompanha as mudanças de paradigma que estamos vivendo. Se para melhor ou pior? Eu não sei. J-J


P.S.: Essa foi a Semana pré-carnaval JJ. Durante 5 dias, apresentamos 5 posts sobre vários temas ligados ao carnaval. Esse foi o último. Esperamos que tenham gostado. Se não leram todos, leiam e não deixem de comentar. Um bom carnaval!




Pesquisa e colaboração: Layon Yonaller
Por: Emerson Garcia

4 comentários :

  1. "Você pode fazer o que quiser com o seu corpo, mas quando a mídia usa a nudez de uma mulher está reforçando o machismo e o sexismo".

    Eu quando a mulher usa a nudez dela em todo lugar e tem orgulho disso, o que ela está reforçando mesmo???
    Não suporto esse vitimismo e essa coisa de dois pesos e duas medidas. Obrigada por abordar os dois lados da moeda, mostrando que a nudez masculina (VISANDO TAMBÉM à objetificação sexual) é tão comum quanto. Acredito que de uns tempos para cá, a nudez masculina vem ganhando peso até mesmo em filmes de ação e romance, coisa que não era vista há 20 anos atrás.
    Excelente post!
    http://vivendolaforanoseua.blogspot.com/

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    1. Sim, a nudez masculina já não é tão tabu como antigamente.

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  2. Adorei a postagem! Na minha humilde opinião a mudança na vinheta foi uma p&&¨¨a de uma jogada de marketing da Globo. Afinal, o feminismo é um tema que está muito em evidência atualmente, o que é realmente bom, mas eles também sabem que os usuários das redes sociais poderiam cair matando, como já fizeram outras vezes, mas fazendo o contrário, trazendo mais cultura ao invés de corpo poderiam trazer o efeito contrário. Não existiria nada de: "Globo lixo ou golpista", mas sim comentários positivos sobre eles.
    Enfim, você abordou muito bem o assunto, adorei conhecer mais sobre a história sobre essa vinheta que já está ao ar há 15 anos.

    Até mais. https://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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    1. Foi uma boa jogada de marketing da emissora.
      Obrigado pelo elogio ao post.

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