Uma matéria da Veja intitulada Marcela Temer: bela, recatada e "do lar" (18) e veiculada no site da revista, deu o que falar nas redes sociais e deixou as feministas em polvorosa. Muitos a consideraram retrógrada, machista e um tanto quanto "anos 1850", por reduzir a mulher apenas em sua beleza, cuidados com filhos e casa. Em um mundo atual, onde o sexo feminino ocupou seu espaço e sua independência, retornar a essa posição é quase um insulto.
O que já preciso deixar claro é que a reportagem da Veja é idealista e generalizada, sim, mas que a independência feminina permite as mais diferentes escolhas, atitudes e caminhos, inclusive que a mulher seja bela, recatada e "do lar". Não é um homem que está dizendo que a mulher deva ter essas características, mas é a própria mulher que pode tomar esses rumos, e nenhuma feminista pode torcer o nariz para isso.
É só resgatar em sua memória, e relembrar do post que escrevi Os pormenores de "Meu corpo, minhas regras" onde disse que as mulheres reivindicam direitos, mas o que elas mais possuem são direitos, inclusive o de escolher:
A propaganda reclama que as mulheres não possuem direito, mas o que elas mais possuem são eles: ela pode optar por ter filhos ou não no casamento e pode encaminhá-los, ou não, a adoção. Mulher pode ser feliz sem ter filhos, porque não?
Toda mulher tem o direito de ser recatada e do lar, e se engana quem pensa que isso é ser contra o feminismo. Feminismo é, por essência, liberdade. É escolha. É permitir que cada mulher faça o que quiser, desde que essa escolha seja, de fato, uma escolha, e não uma pressão social.
Engana-se quem pensa que ser feminista é abandonar a casa e viver em shopping ou em bares da vida, aprontando poucas e boas. Engana-se também quem pensa que somente a mulher dona de casa tem valor, como bem sugeriu a reportagem da Veja.
Idealista e generalizada
Creio que o problema de muitas mulheres quando se deparou com a matéria foi em a revista só enaltecer essas mulheres, visto que muitas delas não possuem esse perfil, e tem se enveredado por muitos caminhos. A matéria mostra uma Marcela perfeita, amorosa e romântica. Ela cria uma Marcela Temer sem dificuldades, sem tpm e sem intempéries femininas. Uma "primeira-dama perfeita", mesmo antes de sê-lo.
A reportagem fala de uma Marcela que quase não trabalhou, que se dedicou ao filho, a casa e o marido. Uma mulher submissa que a Veja insiste em vender. Por outro lado, e se Marcela escolheu ser isso?
Bacharel em direito sem nunca ter exercido a profissão, Marcela comporta em seu curriculum vitae um curto período de trabalho como recepcionista e dois concursos de miss no interior de São Paulo (representando Campinas e Paulínia, esta sua cidade natal). Em ambos, ficou em segundo lugar. Marcela é uma vice-primeira-dama do lar. Seus dias consistem em levar e trazer Michelzinho da escola, cuidar da casa, em São Paulo, e um pouco dela mesma também (nas últimas três semanas, foi duas vezes à dermatologista tratar da pele).
A mesma coisa com ser "recatada". Marcela pode vestir-se da forma como quiser, ser feminina e talvez feminista (ser do lar não exclui isso), mas a revista vende talvez uma mulher recatada ideal, excluindo todas as demais que usam decote, mini-saias e roupas curtas. Marcela é apresentada como uma "assembleiana": "gosta de vestidos na altura dos joelhos".
Nana Soares hostiliza esse tipo de mídia que idealiza, generaliza e oprime:
Então, para deixar bem claro: não estamos criticando mulheres que escolheram ser donas de casa ou constituir família. Criticamos um sistema que oprime, cala e silencia e que se manifesta no cotidiano, na mídia e em outras esferas.
A mulher e a dama do século XIX: mais obrigações do 'não fazer' do que do 'fazer'.
De acordo com o Diário do Centro do Mundo, a revista Veja idealiza uma primeira dama aos moldes de uma figura do século XIX, cheia de estereótipos e que anula as lutas feministas de até então:
Essa mulher – agora representada pela aspirante a primeira-dama do Brasil – é justamente a figura idealizada do Brasil do século XIX (ao ler a matéria, sinto-me em 1850): a mulher pudica, que sempre pede “luzes finíssimas”, que não se atreve a ascender intelectualmente (segundo a matéria, Marcela é bacharél em direito, mas trabalhou pouco e tem um currículo lattes sucinto), que se casa com o primeiro namorado e jamais expressa uma postura libertária.
Por outro lado - e não defendo a Veja, apenas contextualizo os fatos - estamos em uma sociedade em que pessoas torcem o nariz para a expressão "bela, recatada e do lar" e aplaudem a expressão de um ex presidente, "grelo duro".
Esse é o questionamento de Rafael Vitola Brodbeck:
Só para contextualizar que as mulheres de "grelo duro" que Lula se refere são petistas, lutam por causas igualitárias e LGBTs e são feministas. Não digo que todas. E como você afirma isso, Emerson? Por causa da expressão "... do NOSSO partido", na fala de Lulinha.
Aí a Veja solta a expressão "bela, recatada e do lar", e o que acontece? As mesmas mulheres que se sentiram com o ego elevado e não revidaram a afirmação de Lula, não aceitam os predicados. E detalhe: as mesmas petistas, que lutam por causas igualitárias e LGBTs e são feministas. Não digo todas!
A intenção maquiada e disfarçada é criar divisões, que chegam até na esfera política, como bem disse Narlla Sales:
Por debaixo dos panos também é uma crítica a atual presidente do país, por não se encaixar nesses moldes que a Veja leva a crer que se encontram na futura ex primeira-dama do país. De certa forma, a revista não aceita as características e estereótipos da petista e enaltece o jeito de ser da peemedebista. Essa guerra de partidos, só não percebe quem não quer!
Ao contrário de Marcela, Dilma é tudo que o patriarcado não quer: não obedece aos padrões de beleza estabelecidos, não se curva diante da exigência de subserviência feminina que ainda persiste, não cultiva a delicadeza tradicionalmente feminina (afinal, não somos obrigadas!), luta com as próprias mãos, derrama o próprio suor, e o que é pior: é a mulher mais poderosa do país. No bom e velho nordestinês: uma mulher de grelo duro. A Veja, a direita e os golpistas (agora sendo redundante, já que se resumem à mesma coisa) não querem as mulheres poderosas. Eles querem mais Marcelas e menos Dilmas. Mas continuarão só querendo. (Nathali Macedo, DCM)
"Belas (?), recatadas (?) e dos lares (?)"
Em resposta a matéria da Veja, mulheres (e também homens), se manifestaram nas redes sociais, por memes, Instagram e Facebook com imagens que quebram o tabu de mulher ideal. Ser mulher, para essas pessoas, vai muito além de ser "bela, recatada e do lar". Por que uma mulher não pode beber e frequentar o bar? Por que mulher não pode frequentar boates e discotecas de madrugada? Por que mulher não pode vestir-se de forma sexy sem ser vulgar? Por que mulher não pode arrotar, dar dedo ou xingar? Enfim, foi um pouco disso que percebi no Insta:
Resolvi entrar na onda, e "fiz uma gracinha" também, ao postar uma foto minha de terno e gravata, aproveitando que ia para um casamento.
Memes e montagens também foram feitos para manifestar-se contra esse ideal de mulher:
O espaço democrático da internet permite isso: mostrar o outro lado da moeda. Se elas foram excluídas, de alguma forma, da mídia impressa e digital, por meio da reportagem da Veja, por outro elas são reincluídas, por meio das redes sociais. É assim que Nana também pensa:
Se as fotos “belas, recatadas e dos lares” ensinaram alguma coisa, foi que nós mulheres não vamos mais aceitar sermos excluídas da vida pública. O entendimento de que devemos obrigatoriamente ficar em casa é o que legitima assédios, estupros e culpabiliza as mulheres por tais violências. Mas a campanha também é uma ótima oportunidade também para reforçar que feminismo é lutar por igualdade e para que as mulheres possam escolher o acham melhor para suas vidas.
E voltamos ao direito de escolha...
Não só a mulher, como qualquer pessoa tem o direito de escolher o que quiser. É bem verdade que mulheres optaram por serem donas de lares. Contudo, algumas delas escolheram estar debaixo de um jugo desigual, submissas e passivas. Escolheram não reclamar e não questionar o poder do marido. Se por um lado, é uma escolha ser "bela, recatada e do lar", por outro, nem esse direito de escolha as mulheres possuem. Seria leviano da minha parte concluir esse texto sem falar dessas mulheres que são reprimidas por seus maridos.
Talvez esse guia de 1950, que traz 18 dicas de como ser uma boa esposa e dona de casa, seja mais machista, do que uma escolha da mulher. Encerro esse texto com uma frase de Gessica Daniel, que resume bem isso:
"[...] quando eu penso em força, em beleza, quando eu me emociono, eu lembro [...] da Lúcia, da firma [...] me falando aliviada que ia aproveitar um feriado pra "não fazer nada". Sabe o que é o nada da Lúcia? Fazer almoço pra família, passar um pano na casa e lavar a louça. Nada! No fundo, não acho que tenha problema ser recatada e do lar. Acho que a luta é pra que cada uma de nós seja o que quiser. Mas a gente tá bem longe do ponto em que de fato existem escolhas". J-J
Por: Emerson Garcia