terça-feira, 9 de junho de 2015

Dom de reportagem: À beira de um ataque de nervos


 
A reportagem abaixo "À beira de um ataque de nervos" pertence à editoria de Saúde e bem-estar da revista "Retângulo 29" (da matéria Técnicas de Produção Jornalística I).

Brasília é caracterizada por ministérios que uns ao lado do outro compõem o cartão postal da cidade. É nesse meio que funcionários públicos se estressam com documentos, memorandos, limpeza geral, entre outras atividades que os deixam à beira de um ataque de nervos. É nesse contexto, também, que trabalhadores da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) criaram o QVT (Qualidade de Vida no Trabalho).

Ana Rodrigues (50) três filhos, servente, é destaque na forma como encara a vida. Sempre sorrindo e muito simpática não mede esforços para dar o seu melhor onde trabalha.


- Esse é o meu trabalho: subir e descer escadas carregando lixo. A dificuldade é que não tem elevador - brinca Ana.




Ana Rodrigues (50) não reclama de seu trabalho e participa do QVT


Assim como Ana, Maria do Nascimento (39) servente, leva um sorriso no rosto mesmo que disfarçado, trabalhadora das 6, 8, 10 horas. Levanta às 4h da manhã, chega à Funasa às 6:20h, quarenta minutos antes do início do serviço. Ali, ela é conhecida por todos os seus colegas como aquela que distribui os materiais de limpeza para os serventes.

Ana participa do QVT que visa a saúde dos trabalhadores. Ele surgiu da necessidade de minimizar o estresse causado por Lesões de Esforço Repetitivo (LER), pelas relações interpessoais e pela relação servidor-chefe. O QVT precisa ser analisado a partir das relações trabalhistas específicas de um órgão. Segundo o psicólogo Otávio Guimarães (30) formado pela UnB e que aspira a trabalhar em clínica, “o QVT é bom, mas não pode generalizar essa prática. Tem que se analisar toda a organização, as faixas organizacionais, relações entre colegas, hierarquia”, explica.

De fala mansa e bastante tímido Antonio Oliveira (55) servente, receia em falar por ser analfabeto. Analfabeto de letra, porém bastante alfabetizado pela vida. Trabalha há dois anos e meio na Funasa e não se arrisca a participar do QVT.


- Por que você não participa do programa?

Ele diz:

- Ah... porque eu não gosto.


Assim como Antonio, que não participa “porque não gosta”, Maria do Nascimento não se integra ao programa porque não tem tempo e porque nunca se informou sobre ele. A sugestão de Ana Rodrigues de estender o programa para os terceirizados, de divulgar, deixar claro, já é atendida pela coordenação do projeto. “O foco principal é os servidores públicos, mas como há estagiários, terceirizados, consultores, a gente não discrimina”, explica a coordenadora.

Para Antonio e para tantos outros só existe o dever de cumprir obrigações, mas eles não sabem o que oferece um programa como o QVT. De acordo com a Coordenadora Liliane Montefosco (53), “o foco do programa é a valorização do servidor no trabalho. Através das ações se busca a melhoria do ambiente, prevenção de doenças ocupacionais, fazendo com que o servidor trabalhe com mais produtividade, sem riscos a saúde”.


Estresse no trabalho

Segundo o psicólogo Otávio Guimarães hoje na modernidade existe uma pressão de querer as coisas para ontem. “A questão do tempo faz com que os trabalhadores tenham que se empenhar muito num espaço curto, pensar rapidamente e lidar com muitas informações”.

O dia-a-dia de Dulcinete de França (65) auxiliar administrativa é cansativo e estressante: subir, descer escadas, entregar documentos. A nossa maratonista sente muita dor no corpo por causa disso.

Já no trabalho de Maria de Fátima (62) auxiliar administrativa, ela utiliza muito a visão, as mãos e o cérebro – exige muito atenção. Trabalha sentada em frente do computador de 8 a 10 horas, manipulando documentos. Ela relata que são oito volumes destes com 200 folhas cada. “Às vezes eles são bastante velhos”.

Ingrid Amorim (34) analista de segurança de informação e Dina de Castro (61) assistente técnica possuem algo em comum: são máquinas de dar resultados. A cobrança é algo que incomoda as duas porque elas lidam com o público externo. Ingrid além de trabalhar de dia ainda faz faculdade a noite, o que deixa seu corpo ainda mais tenso.

Para o psicólogo Otávio Guimarães, o trabalho define a personalidade, identifica e às vezes é preciso levá-lo para casa. Estender o serviço para fora do local de trabalho é algo que tem assolado os trabalhadores e tem produzido depressão em muitos. “As pessoas ficam depressivas, irritadas, com o humor instável, com baixa auto-estima, o que pode ocasionar gastrite, dores de cabeça, dores sem causa (fribromiogia), sangramento na visão”, comenta.


Quando foi perguntado se é possível conciliar trabalho e saúde foram dadas diversas opiniões:

-Eu tento –risos- mas não sei se é possível conciliar. Eu acordo 6h da manhã, vou para a academia quando eu posso. Se você tentar, você consegue - concluí Ingrid Amorim.

- Sim é possível. Desde que profissionais da saúde corrijam a postura de servidores, com cadeiras confortáveis, equipamentos adequados, apoio para os pés, computadores com foco de luz correto - analisa Maria de Fátima.

- É possível sim. Porque a gente tem o horário de trabalho, mas até dentro desse período é preciso que exista um parêntese - diz Dina de Castro.


O estresse de certa forma é bom porque alerta, deixa em movimento, mas isso até certo ponto. Quando ele é exagerado a pessoa começa a se exaurir, a ficar indisposta, ter problemas de saúde e de relacionamento. É preciso nesse caso minimizar o estresse. Uma das formas de diminuí-lo é estudar a organização no aspecto micro (servidor) e no macro (empresa). “Tem que estudar a relação daquela empresa, daquele ambiente de trabalho, para analisar o que está prejudicando o trabalhador de uma forma geral”, fala o psicólogo Otávio Guimarães.


Saúde do servidor e QVT

A “Quick Massage” ou “Massagem expressa” tem o intuito de aliviar o estresse de servidores públicos


Gilberto Costa e Silva (31) formado em fisioterapia pelo Uniceub, é monitor de massagem do programa “Aliviando o estresse”. Para ele, ao tocar já existe um efeito psicológico. “Fisiologicamente falando, o toque (fricção) produz calor nas mãos e proporciona um relaxamento às pessoas”.

João Filho (29) formado em Educação Física pela Alvorada, é assistente de ginástica laboral e trabalha com técnicas de alongamentos, massagens e aerodinâmica. “O objetivo desses exercícios é aliviar dores, prevenir lesões, além de proporcionar uma relação interpessoal entre os funcionários”.


- Qual a importância do programa QVT para você?

-Ah... –pensa Ana- é importante né? Que a pessoa tem... –diz com dificuldade- relaxou mais né?... –para outra vez- tem a ginástica... tem trabalhado melhor o nosso dia-a-dia.

- Ah... eu me sinto importante sabia? –diz entusiasmada Dina- porque a gente está tão desvalorizado, sei lá... como eles tem voltado essa parte pra gente, a gente se sente até com bem-estar viu?

- Eu fico feliz de ver que a instituição está começando a se preocupar com a QVT. Essa resposta –diz Maria de Fátima- não vai ser só da instituição, essa resposta vai vir de fora.


Essa satisfação dos servidores só tem aumentado a credibilidade do programa e, de acordo com a coordenadora Liliane, “a gente não faz essas atividades só por fazer, por isso existem os questionários avaliativos que são realizados antes do servidor entrar no programa e depois sempre se analisa os benefícios para a vida e para o trabalho”, explica.

Programas como: Aliviando o estresse, Corpo e movimento, Ginástica laboral, estão dando bons resultados para o QVT. “Diminuíram as queixas de saúde por parte dos servidores, as pessoas estão acreditando e participando mais do QVT”, diz alegre a coordenadora.





- Como as pessoas chegam as seções? E como elas saem?

- Há dias em que elas (as pessoas) chegam animadas, com preguiça, mas sempre saem alegres e com uma sensação de relaxamento e para trabalhar é até melhor –concluí João Filho (22).

- Elas sempre chegam com algum tipo de problema –comenta Gilberto- geralmente dor de cabeça, dor nos braços, dor na coluna. Muitas saem felizes, elogiando o nosso trabalho.

Por fim, Dina, servidora pública, se perguntou:
- O que é qualidade de vida?

E sem esperar uma resposta, ela respondeu:

- É você se sentir bem no trabalho, né? Não só em casa. J-J




Por: Emerson Garcia

8 comentários :

  1. Excelente reportagem! Realmente este assunto deve ser mais abordado, pois cada vez mais surge pessoas lesionadas por questões de se esforçar de maneira errada no trabalho. Também acho que deve ser mais incentivado os programas de melhorias das condições de trabalho dos funcionários, pois se estes estão felizes e motivados no seu ambiente de trabalho até produzem mais e melhor.

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  2. Oi, amigão! Obrigado pelas visitas e pelos comentários! Seu blog está incrível! Textos maravilhosos! Parabéns! Desculpe-me pela ausência! A vida aqui na minha cidade também anda uma correria! Estou precisando de um "QVT"! (rsrsrs)

    Abração!

    Pedro Antônio

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  3. Hello from Spain: This report is awesome. We have to improve working conditions. In my country there is a specific program: Safety and Health at Work.We keep in touch

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  4. Achei interessante! Tenho uma amiga que tem esse "fribromiogia" rsrs Ela vive com dores, mas se preocupa demais com tudo que acontece lá na loja. Eu mesma concordo que devemos nos envolver, mas juro que minha vida não depende disso, e ela vale muito mais do que o que ganho com minhas 8h diárias.

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