sábado, 8 de setembro de 2012

O que ninguém viu do filme Batismo de Sangue

Helvécio Raton nasceu em Divinópolis, MG, em 1949, militou no movimento estudantil na década de 70, quando exilou-se no Chile, onde trabalhou em diversas produções. Tornou-se internacionalmente aclamado como cineasta. Dirigiu Dança dos Bonecos, Menino Maluquinho e Amor & Cia. Batismo de Sangue é baseado no livro de memórias homônimo escrito por Frei Betto (Daniel de Oliveira), e conta a história de Frei Tito (Caio Blat) e o envolvimento de frades dominicanos com o líder revolucionário Carlos Marighella (Marku Ribas), executado a tiros pelo truculento delegado Sérgio Paranhos Fleury (Cássio Gabus Mendes), um dos cabeças das forças de repressão.




Juntamente com seus colegas de seminário, Tito foi preso e barbaramente torturado. Mesmo depois de libertado como parte de um grupo de presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovani Bucher, Tito jamais conseguiu se livrar dos fantasmas de seus torturadores e, anos depois, vivendo num convento na França, decidiu pôr fim ao seu martírio cometendo suicídio por enforcamento.
Na estrada, estudantes estão a caminho do sítio onde seriam abrigados os estudantes da UNE, quando são parados por um policial rodoviário. Ele pede os documentos do motorista do carro para averiguar e pergunta: "São religiosos?". O motorista diz: "Somos". O policial não possui preconceito e se despede: "Vão com Deus". A ação do policial revela o conceito de relativismo cultural, já que ele compreende a cultura religiosa católica mesmo não a praticando.
Policiais invadem o abrigo da UNE com hostilidade, agressão verbal e física. Policiais, a mando da ditadura da época, reprimiam jovens estudantes os impedindo de ter liberdade de pensamento e capacidade de expressão. Estudantes são jogados ao chão, muitos empurrados, outros, vitimizados com chutes e pontapés. Os policiais usavam da força e do argumento de que a cultura deles deveria prevalecer. Estudantes eram alvos de piadas maldosas, como: "Vocês não queriam ir para o sítio? Agora vão passar o resto da vida ouvindo o galo cantar". A ditadura seria uma ação positiva, ao contrário do comunismo. A aculturação por dominação está presente no sentido dos policiais quererem acabar com a cultura comunista.




          A Japonesa Taeko entra em uma sala e traz as fotos da cobertura da invasão policial em um sítio que abrigava a liderança estudantil para Beto, integrante do movimento. Taeko, em um gesto de soberania, traz café para ele, que diz que as fotos ficaram ótimas. Taeko diz que precisa revelar algo. "Sabe o que é, que eu gosto muito de você", ela diz com brilho nos olhos. "Também", retribui Beto. Daí a japonesa diz que o gostar dela vai além da amizade. Beto a repreende dizendo que, por ser dominicano, a relação amorosa não irá vingar. Taeko, não se importa muito com isso: "E daí, eu sou japonesa", sorri. Nessa cena é possível o conceito de aculturação, no sentido de assimilação de uma cultura e outra, já que a japonesa queria relacionar-se com um dominicano (ambos viviam em um mesmo território: Brasil). A relação vista na cena é pacífica, já que haveria uma relação amorosa e um possível namoro. A aculturação da cena não poderia ser classificada por sincretismo, já que não havia o intuito da japonesa de mostrar sua religião ao dominicano. Na mesma cena o conceito de relativismo cultural está presente.
Em uma missa, representantes estudantis participam da religião católica e são comunistas. Encontram na Igreja, a única forma de fugir da ditadura da época. Na cena, eles rezam e participam de rituais. O comunismo, como cultura, une-se a religião católica através da aculturação por sincretismo. Entre o público presente, um senhor policial do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), Raul Careca, espiona os estudantes na missa com gravador na mão. Um representante estudantil diz ao microfone: "Será que ele veio rezar, ouvir a palavra de Deus ou está aqui para nos vigiar para depois mandar prender?", fala o estudante revoltado. O policial levanta-se e diz em alto tom: "Você é um comunista, desgraçado, que usa batina e o nome de Deus para pregar desordem, pregar subversão". Após dizer essas palavras o policial faz o sinal da cruz e sai do templo. O filme todo gira em torno da possibilidade de ser comunista e religioso.




Na delegacia, após ser capturado, o estudante Tito é interrogado pelo delegado. Este o trata com desprezo, discriminando-o por sua cultura de pensamento e também pela sua cultura geográfica. Tito é nordestino, cearense, e veio para São Paulo. Na fala do delegado, nojo e desprezo: "Você é nordestino é? Tá fazendo o que em São Paulo, ô cabeça chata?". "Eu estudo Filosofia na Universidade de São Paulo", explica Tito com sotaque nordestino. Nesse caso, o delegado insinua que ser paulista é mais culto do que ser nordestino. A maioria dos nordestinos que vem para São Paulo são tratados com desprezo. Quando Frei Tito é preso ele sofre o mesmo preconceito, sendo chamado de "Nordestino Terrorista de merda".
Em outra cena, a agressão física é exarcebada. Representantes da UNE são capturados e levados ao Ministério da Marinha ao encontro de "Papa". Um deles é interrogado no auditório, o outro na sala de arquivos. "Papa" começa falando: "Sabemos que vocês apoiam o terrorismo de Marighella". O grupo de estudantes de fato apoiava o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, mas o rapaz diz que só o conhece de jornal. "Papa", portanto, pede que ele tire a roupa, mas o rapaz fica imóvel sendo recebido com um esporro na cara. Papa grita: "Tira a roupa, terrorista fila duma puta!!!". O suposto terrorista acata a ordem, sendo amarrado, prensado em uma barra de ferro e posto de pés e mãos juntos e pendurado entre dois armários. A partir daí, agressões físicas e verbais. Com chutes e "barradas" de ferro na costela e no corpo inteiro, além de choques no peito e no cérebro - que fazia a vítima espumar saliva pela boca.
Na prisão, a discriminação religiosa aparece quando "Papa" entrega uma Bíblia para o Frei Tito, que se encontra atrás das grades e diz em tom de deboche e sarcasmo: "Quer rezar para o professor, Menezes? Ele deve tá precisando". Todos os ditadores riem em coro. 




A liberdade de expressão religiosa aparece na prisão, mesmo sendo contrário aos princípios ditatoriais. Os 4 integrantes do comunismo presos realizam uma missa, com reza, pregação, sermões. Muitos deles rezam conosco. Com palavras de encorajamento, um deles diz que foi a religião e o comunismo que os uniram. Eles realizam uma Mesa Eucarística, onde diversas opiniões estão presentes: muitos riem, outros dizem que eles são traidores, outros falam que eles merecem respeito. Preces são ditas pelos presos e colocadas diante de Deus. A Ceia composta por pão e suco de uva é servida aos presos e aos guardas que vigiam o local, mas eles não aceitam o Corpo de Cristo. A ação dos guardas demonstra relativismo cultural, onde eles compreendem aqueles rituais e não os recrimina. J-J

*Por Emerson Garcia e Joellia Krisney para UCB

Por: Emerson Garcia

sábado, 1 de setembro de 2012

Dom de reportagem: Trote





Trote em 2010  no curso de Comunicação da UCB
gera opiniões divergentes

Todo início de semestre é comum acontecer os trotes em várias Universidades do País. Os calouros são recepcionados por veteranos numa espécie de ritual de acolhida. Contudo, por várias vezes, essa brincadeira pode conter alguns exageros, como ocorreu recentemente na Universidade Católica de Brasília (UCB). O último trote de acolhida do curso de Comunicação Social gerou polêmica, pois segundo o diretor do curso, André Carvalho e alguns calouros que participaram, a brincadeira ultrapassou limites, ao danificar os óculos de uma das participantes e ocasionar a torção no pé de outra. Houve uma investigação do caso e após conversa entre veteranos e a Direção, ficou acordado que os veteranos receberiam uma advertência oral e se houver reincidência, a advertência será por escrito.
Na quinta-feira do dia 15 de abril de 2010, no período noturno, veteranos do curso de Comunicação Social, foram à sala dos calouros, convidando-os para participar de uma atividade de interação e passeio pelo campus da Universidade.
Todos os anos, o ritual de acolhida é semelhante: após o convite feito pelos veteranos, os alunos são amarrados por um barbante e colocados em uma fila indiana e saem da sala cantando a música: “Eu sou calouro, eu não me engano, eu dou minha vida por um veterano”. Ao chegar fora dos muros da Universidade, os calouros se sentam e recebem na testa, as inscrições feitas com batom “Jor” para Jornalismo e “PP” para Publicidade e Propaganda. Depois disso, joga-se farinha, água, tinta, e os calouros pedem dinheiro no trânsito para a confraternização. O corte de cabelo, também é comum nessa brincadeira, mas, não ocorreu no trote desse semestre, segundo o veterano João*.





CASOS
A brincadeira, porém, teve uma carência de cuidados por parte dos veteranos com os calouros, como ocorreu com Mariana Brasil, caloura de Publicidade e Propaganda, que teve seus óculos da marca Vogue, estimado no valor de R$ 600, danificados enquanto o trote ocorria. “Quando fui pegar meus óculos, não eram mais óculos. A haste ficou torta, uma das lentes quebrou. Eles estavam espatifados”, relata. De acordo com o veterano Caio Bruno, que estava presente, os materiais dos estudantes ficaram guardados em um carro.
Depois do ocorrido, os pais da aluna compareceram a direção do curso e conversaram com a assessora pedagógica, Rosana Pavarino, sobre como os óculos seriam ressarcidos. Os pais trouxeram um orçamento e Rosana sugeriu que trouxessem mais dois para que a dívida fosse paga pelos veteranos envolvidos no trote. Alguns deles fazem parte do Centro Acadêmico de Comunicação Social.
Outro caso, que demonstra um exagero em algumas atitudes, foi sofrido por uma caloura que enquanto o trote acontecia torceu o pé. Natalie Araújo narra o fato: “Todos estavam amarrados com barbante. Quando os veteranos iam jogar balões cheios d’água, ela se soltou de forma brusca, correu, torceu o pé e caiu”, afirmou. Segundo o veterano Caio Bruno, esse fato não é da responsabilidade dos veteranos. “Até porque ninguém torce o pé de ninguém”, justifica.

POSTURAS DIVERGENTES
As opiniões com relação ao trote no curso de Comunicação Social são divergentes. Existem aqueles que acham que a atitude não traz benefício algum e os que dizem que a atividade traz interação e trocas de experiências entre os envolvidos. De acordo com João*, o trote que é aplicado não é violento e não humilha os estudantes que participam. O objetivo é acolher e inserir na academia. Segundo ele, a atividade é democrática, ou seja, as pessoas podem escolher se participam ou não: “Se a pessoa não quiser cortar o cabelo, a gente respeita. Se disser que o barbante está machucando, a gente solta”.
Contudo, a caloura Natalie Araújo conta que essa democracia não foi atendida, de fato. “Muitos foram obrigados a participar do trote, porque eles trancaram a porta da sala em um momento, e não deixaram ninguém sair”. Ela conta ainda que alguns limites foram excedidos. “Durante o trote, tive os braços apertados pelo barbante e jogaram tinta azul no meu cabelo. Demorou dias para sair. Eu preferiria que a atividade não amarrasse ninguém”, comentou.
            De acordo com Angélica Córdova, assessora da direção do curso, os estudantes se descontraem, mas não é possível limitar essa brincadeira e prevenir maiores constrangimentos. ”Situações de brincadeiras podem se tornar situações de risco à medida que o limite extrapola”.
Jorge Amilton, diretor de comunicação e marketing da UCB, explica que a Católica não adota e não é a favor da prática de trote, porque existem outras formas de acolher. “Todo início de semestre, a Católica tem um movimento de acolhida aos calouros. Tem a apresentação da Católica no auditório e tem um congraçamento”. Ele ainda explica que o trote que amarra as pessoas, joga farinha e água, é inaceitável na Universidade.
Entretanto, João* explica que essa atitude traz interação e criação de vínculos. “O estudante, ao entrar na universidade, fica muito só, e, nesse momento, do trote, tem a oportunidade de conhecer as pessoas do curso. Depois, os calouros tiram as dúvidas a respeito de como fazer pré-matrícula e explicam sobre as dependências da Universidade como a Casa da Mão, o Centro de Rádio e TV (CRTV), a Matriz, entre outros”, argumenta.
De acordo com o Regimento da Universidade, a Católica proíbe a aplicação ou participação em trotes, sob pena de 1 a 30 dias de suspensão ao estudante envolvido. O aluno que se sentir de alguma forma lesado, pode recorrer a ouvidoria através do link disponível no site da Universidade (http://www.ucb.br/003/00301025.asp?ttCD_ITEM_CONTEUDO=169). As denuncias podem ser feitas anonimamente e são transmitidas ao Conselho Disciplinar. No caso desse trote, a Direção do Curso, através de e-mail, informou a todos os estudantes a postura da Universidade em relação aos trotes e advertiu oralmente aos envolvidos.

*O nome foi trocado a pedido do entrevistado.


*Por Emerson Garcia e Sara Mendes para a UCB
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