segunda-feira, 29 de abril de 2019

Cálice



Quase todos já escutaram a música Cálice, mas poucos conhecem sua verdadeira história. Escrita por Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973, ela foi censurada pelos militares e acabou sendo lançada apenas em 1978, nas vozes de Chico e de Milton Nascimento. Por meio de duplos sentidos e metáforas, a letra, de modo inteligente, aludia à repressão e à violência do governo e se tornou, por isso, um dos mais famosos hinos de resistência ao regime militar.



A censura tinha sido permitida anos antes pelo Ato Institucional nº 5, emitido pelo então presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. O “AI-5”, como foi conhecido, foi o mais duro dos dezessete grandes decretos emitidos durante aquele regime. Por meio dele, as garantias constitucionais foram suspensas, parlamentares contrários ao governo perderam seus mandatos e foram ordenadas intervenções em municípios e em estados.

Em geral, conhecer a história previne que nós, meros mortais, repitamos os erros do passado. Entretanto, para os deuses do Olimpo judiciário, que se julgam incapazes de errar, revisitá-la parece não ter muita utilidade, visto que, para eles, os conceitos tem uma definição bem particular: “certo” é tudo aquilo que lhes dá na telha fazer; “errado”, aquilo que os incomoda. Por essa lógica especial, errados são sempre os outros. Sempre. Mesmo que para impor isso seja necessário rasgar a Constituição e, consequentemente, profanar a sua própria razão de existir.



E, assim, por meio da instalação de um inquérito eivado de vícios, absolutamente inconstitucional e ilegal na visão da Procuradoria-Geral da República, que já determinou seu arquivamento [1], busca-se justificar o retorno da execução de medidas impensáveis em um regime democrático, a exemplo do temporário atentado à liberdade de imprensa [2], da determinação de bloqueio de contas em redes sociais e da autorização de mandados de busca e apreensão, inclusive genéricos, como claro instrumento para tentar calar críticas ao STF e a alguns dos seus ministros [3].

Será que as oniscientes divindades realmente não percebem que, ao macularem a dignidade dos cargos que ocupam por meio de comportamentos e decisões, para dizer o mínimo, atabalhoadas, estão fazendo por merecer essas inúmeras manifestações de desapreço? Que, quando apenas 24% das pessoas confiam no Supremo [4], ao passo que a reprovação a determinados ministros atinge taxas próximas a 70% [5], seria preciso, para calar os críticos, desligar a internet no Brasil?



Enfim, rezo baixinho aqui para não ser, também eu, contemplado com uma visita inquisitorial da Polícia Federal (a qual, pensando bem, talvez até contribuísse para me dar ainda mais voz). Porque, mesmo que viesse a ser impedido de escrever, eu certamente não deixaria de cantar, a plenos pulmões, ao amigo do amigo do pai: “Afasta de mim esse cálice”. J-J


Por: Regis Machado, auditor do Tribunal de Contas da União (TCU)

16 comentários :

  1. Obrigada por o post, sempre e bom te ler ate a proxima.

    https://geeky-freeky.blogspot.com

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  2. A situação não está fácil JJ
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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  3. Grata por nos dar a conhecer a história dessa canção.
    A música pode ser uma arma.
    (Um dia fiz publicação com essa música. Há palavras que nos visitam em alturas pertinentes.
    https://silenciosameu.blogspot.com/2015/02/afasta-de-mim-esse-calice.html )

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    Respostas
    1. Verdade. Viva toda forma de expressão! Vou ler o seu post agora mesmo.

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  4. A música é sempre atual dado o tempo sombrio que vivemos hoje
    Um abraço

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  5. É até absurdo pensar em como as coisas andam.
    beijos
    http://lolamantovani.blogspot.com.br

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  6. Tempos negros se vivem por este mundo fora
    Abraço

    Kique

    Hoje em Caminhos Percorridos - Encerramento dos centros comerciais

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  7. Achei bem interessante conhecer a história dessa música.
    Big Beijos,
    Lulu on the sky

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  8. What a funny illustration!

    www.fashionradi.com

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  9. Adorei ficar a conhecer um pouco mais dessa música tão marcante!...
    A democracia, sempre será um processo em constante manutenção... jamais a podemos dar como adquirida... pois sempre haverá quem a queira, lapidar... não para a tornar preciosa... mas para lhe retirar muitas das suas qualidades, e possibilidades... pelos que as nossas escolhas, quando votamos, jamais devem ser feitas de ânimo leve!...
    Dividir para reinar... continua resultando... e todos os ditadores, mesmo os actuais sabem disso! Em épocas de grande insatisfação, como os actuais... florescem ditadores... quando o povo, não está unido... e eles aproveitam-se disso... e a democracia... depois conhece... vários reveses e retrocessos...
    Abraço
    Ana

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    Respostas
    1. Verdade. A democracia tem pontos positivos e negativos. Obrigado pelo comentário tão esclarecedor.

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